Presidente do Afoxé Paranaguá fala sobre episódio de intolerância religiosa

No último sábado, 22, foi realizado o 7.º Afoxé Filhos de Iemanjá de Paranaguá, uma manifestação cultural e musical de origem afro-brasileira, associada às tradições religiosas do candomblé. O evento reuniu centenas de pessoas nas ruas da cidade, mas recebeu ataques de intolerância religiosa.

Em um áudio divulgado em grupos de Whatsapp, um dia antes do evento, uma pastora menciona a manifestação como “Sacrifício de Satanás”. Além disso, convida evangélicos para jejuarem contra a realização do Afoxé, com a justificativa de que o mesmo daria “legalidade para os demônios entrarem em Paranaguá”.

No áudio, a pastora responde a uma publicação da Rádio Ilha do Mel FM no grupo, que divulgava a 7.ª edição do Afoxé. A postagem do veículo de comunicação surtiu vários comentários como “Jesus Cristo de Nazaré vai acabar com isso”, “Que Deus repreenda isso” e “Paranaguá precisa de Jesus e não de Exu”.

Em resposta aos ataques sofridos, o presidente do Afoxé Paranaguá, Dr. h. c. Lederson Souza, disse que procurou a Associação Cristã de Estudos da Fraternidade Irmanada (Acefi) para receber instruções. Ele juntou documentos, reportagens e print das postagens que foram feitas nas redes sociais. 

“Não só o áudio da pseudo pastora que viralizou. O que mais impactou, que causou pânico nas pessoas foi o áudio dela. Foi no dia 21, dia que antecedeu o evento. Ela convocava os ‘soldados de Cristo’ para fazer um jejum. Eu achei que essa convocação seria para convocar as pessoas que são evangélicos, no caso, que fossem no dia do evento promover alguma coisa. Isso gerou muita discussão entre as pessoas”, contou Lederson.

Com isso, ele explica que, no dia do Afoxé, foi acionada a Guarda Municipal, a Polícia Militar, além de contratação de segurança particular. “Já para prevenir e aumentamos até o número de socorristas também, pois não sabíamos o que podia acontecer”, destacou Lederson.

Depois, foi feito boletim de ocorrência na Polícia Civil do Paraná, que instaurou o inquérito. Também foi encaminhada uma carta de repúdio para a Câmara de Vereadores de Paranaguá e o assunto foi levado para o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-racial da Defensoria Pública do Estado do Paraná.

“O Governo do Estado estava presente no evento também, pessoas que são do setor do Turismo Religioso.  O evento está tão bacana, fundamentado, divulgado e alicerçado no trabalho, ele é promovido de uma forma bem bacana mesmo, porque envolve a cultura, a história, a inter-religiosidade”, defendeu Lederson.

Afoxé – orixá na rua

Ele aproveitou para explicar o que é o evento. “Ele já acontece há quase duzentos anos no Brasil. Em Paranaguá é a sétima edição, mas pode haver vários Afoxés. O Afoxé é de livre culto, significa que é um evento que os povos e terreiros tiram aqueles elementos do sagrado de dentro dos terreiros e vão para a rua. Nós estamos ali na rua cumprindo o sagrado. Afoxé quer dizer orixá na rua, mas nós não vamos estar incorporando, bebendo cachaça, fazendo sacrifício, não tem nada a ver com isso”, disse Lederson.

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 Afoxé Filhos de Iemanjá reúne centenas de pessoas (Foto: Rubens Moreira da Silva Júnior)

O organizador do evento ressalta que se trata de uma manifestação inter-religiosa. “A gente sai da igreja São Benedito, nós temos o que chamamos de sincretismo. Para nós, que somos adeptos de Iansã, é o mesmo dia do catolicismo de Santa Bárbara. Iemanjá é dia 2 de fevereiro, o mesmo dia de Nossa Senhora dos Navegantes. São pessoas de matriz africana que frequentam o evento”, afirmou Lederson.

O evento é promovido pela Associação Cristã de Estudos da Fraternidade e Irmanada (Acefi), em parceria com a Prefeitura de Paranaguá e o Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá (IHGP). A ação também conta com o apoio do Grupo de Trabalho do Turismo Religioso, vinculado à secretaria estadual do Turismo (Setu).

Busca pelos direitos

As medidas foram tomadas para que o episódio de intolerância religiosa desperte a conscientização das pessoas. “A gente tomou as medidas para que não fique pior da próxima vez.  Exatamente essa resposta, essa busca pelos direitos, para que não possa acontecer novamente. É um evento que está baseado na lei, está ancorado na lei municipal, a instituição possui um histórico bacana de ações sociais, já é conhecida na cidade. Ela (pastora) foi infeliz na fala e vai ter que responder por isso”, finalizou Lederson.

O artigo 5.º da Constituição Federal prevê que a liberdade de consciência e de crença não pode ser violada e que é assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. São exemplos: ofender, discriminar, caluniar e agredir por motivos de crença ou religião, perturbar ritos ou cerimônias e atacar ou causar prejuízos a locais de celebração.

Com informações da DPU – Defensoria Pública da União

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