Praça Conecta: projeto na ZN traz lazer e retomada de espaços públicos

“Lazer é direito!”. Essa é a defesa de um grupo de moradores da Zona Norte de Natal que, cansado do abandono do poder público, se reuniu para realizar um evento em prol da reforma de uma pracinha. Três anos depois, e enfrentando quase os mesmos problemas, o projeto Praça Conecta surge como um evento para lazer, retomada de espaços públicos e a ocupação de praças da Zona Norte de Natal pelos próprios moradores. 

O Praça Conecta é um projeto de ocupação de praças da ZN , nascido em 2023, e que vai realizar sua primeira atividade já no próximo dia 13 de outubro. No evento de estreia, a Praça Muriaé, no Conjunto Santarém, no bairro Potengi, será palco de intervenções culturais, rodas de conversas, feiras artesanais, atividades esportivas e shows musicais, como forró e rap. 

foto: cedida

Dentro da programação, nomes como Pajux, Jujux e Duda Ferreira compõem o line up. Nas rodas de conversas, Saryne Fernandes, do projeto Balé da Ralé, e Ceiça Borges, diretora do CMEI Terezinha de Jesus, vão tratar de temas como arte e crianças. Além disso, ao longo do dia, o evento vai contar com uma competição de queimada, com direito a premiação no final e também a tradicional Feira do Kbça.

A Agência Saiba Mais conversou com Ioanna Augusta e João Victor Holanda, Cientistas Sociais, idealizadores e organizadores do projeto que nasceu do objetivo de reformar a pracinha do bairro. Os produtores culturais destacaram a importância do lazer como tema crucial no cotidiano dos trabalhadores e em como esse acesso é negado, há anos, pelo poder público da capital.

“Nossa ideia é repensar esses espaços das praças como lugares de sociabilidade, comunicação e tecnologia. É lá onde nos encontramos para nos divertir, praticar algum esporte, ou mesmo ir para fazer nada. Das crianças, jovens, adultos e idosos, esse é um lugar democrático. Mas percebemos que, somente reestruturar as praças e deixá-las bonitas não é o suficiente”, destacaram.

Evento vai contar com atividades culturais e shows musicais para todas as idades | foto: cedida

Assim, a atividade no local surge com um dos principais objetivos sendo tornar o ambiente seguro, acolhedor e agradável para corpos diariamente silenciados pela sociedade, como pessoas pretas, periféricas e LGBTQIAPN+. De acordo com os produtores, a ideia é fazer com que o resto da cidade atravesse a ponte para aproveitar o lazer da Zona Norte de Natal.

“A coisa acontece quando tem gente lá. Assim, a ideia de fazer um movimento como Praça Conecta é trazer atividades que contemplem esses públicos, tornando esse um lugar seguro para pessoas como nós de periferias, atípicas, negros e negras e LGBTQIAPN+. Queremos propor atividades que atendam as demandas da nossa comunidade, mas que também provoquem um contra-fluxo de artistas, produtores e público, fazendo com que pessoas de outras regiões de Natal venham para a ZN curtir um rolê massa e interessante. Fazer geral atravessar a ponte para curtir esse lado de cá junto com a gente.”, explicam.

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Movimento quer retomar praças públicas

Antes da Praça Conecta, os jovens da praça Muriaé desenvolveram o Projeto Vôlei Mix, que tinha como objetivo, além da diversão, e tornar a praça do bairro, que estava abandonada, um ambiente melhor para se divertir. Com um grupo formado por artistas, produtores culturais e moradores do bairro, o projeto foi crescendo e chegou a contar com apoio de instituições privadas, como o Sebrae.

“O tempo passou e fomos seguindo nossos caminhos. Então ficamos Ioanna e João Vitor com aquela vontade de continuar, de fazer mais e não parar com as atividades. Ficamos pensando como seguir, que nome dar, qual o conceito e, nessas conversas, veio o Praça Conecta.”, explicou os produtores que tiveram o objetivo de dar continuidade nas atividades que aconteciam desde 2021 no Vôlei Mix.

Os moradores do Conjunto Santarém se reuniram em prol da reforma da pracinha | foto: cedida

“A importância para o bairro se dá no sentido de movimentar a praça, trazer atividade de lazer, esporte, cultura e educação. Vamos de campeonato de queimada a shows de artistas locais e passando por bate-papos e oficinas. Isso agita a comunidade, ativa a economia criativa e traz pessoas de outras regiões de Natal para vivenciar essa mistura toda aqui.”, pontuam.

Quando o poder público falta, a comunidade se reinventa

A falta de lazer é um problema em Natal. Para as comunidades e quem vive na Zona Norte, esse fator é mais agravante ainda. Isso porque, nenhuma, ou quase nenhuma, atividade cultural é pensada para a maior população da cidade.

“O lazer é direito! É importante! Precisamos partir daí. Esse ritmo da cidade e a forma como as coisas estão configuradas em Natal nos forçam a fazer as coisas pensando quase 100% do tempo apenas na sobrevivência e boletos pagos. O lazer vem como um rompimento dessa lógica. E para os bairros da ZN, isso se intensifica quando estamos diariamente atravessando a ponte para trabalhar, estudar e muitas vezes se divertir”, reforçam Ioanna, que é Mestra em Antropologia Social e estudante de Letras da UFRN, e João Victor, Mestrando em Antropologia Social e estudante de Audiovisual da UFRN,

A proposta da iniciativa é mostrar que do outro lado da ponte também tem cultura.

“É importante frisar que dentro dessa correria do dia a dia só o que temos nas periferias são movimentos de cultura, música, dança e barzinhos. Tem muita gente movimentando as comunidades da ZN e em outras periferias. Então, da ZN a ZS o lazer se mostra como algo fundamental para que a gente lide com as questões do dia a dia. Assim, o Praça Conecta vem como mais um lugar onde a gente possa encontrar os nossos e fazer uma resenha legal. Por fim, pensando na economia e no lazer, a cultura movimenta o comércio local, artistas, produtores e muita gente se mobilizam.”, disseram os produtores.

Os estudantes explicam ainda que, quando o poder público não chega, é a comunidade que se reinventa para sobreviver. Para eles, a ideia não é romantizar essa falta de incentivo, e sim chamar atenção desse vácuo de apoio do poder público. 

“Acho que quando o poder público falta, as comunidades desenvolvem formas e tecnologias para atenderem suas próprias demandas. Temos muitos artistas hoje que produzem de casa, produtores que, antes de se entenderem como tal, já estão organizando eventos em seus bairros. Então, quando falta apoio, damos um jeito de estourar. Não é à toa que um dos maiores nomes da música em Natal, hoje, é MC RB KBLZ que vem do Nossa Senhora da Apresentação. Estamos dando nosso jeito e fazendo bonito. Mas a ideia não é romantizar, isso é o que hoje precisamos fazer para poder criar nossas coisas. O Praça Conecta surge também como um chamado aos agentes políticos para que se atentem ao que está acontecendo nas periferias e em nossas praças. A ideia é chamar a atenção para que projetos como o nosso tenham suporte.”, contam.

Ioanna explica que, embora ainda seja pouco, algumas políticas de incentivo ajudam o projeto a se manter de pé, como o apoio do vereador Daniel Valença (PT), parceiro antigo do projeto. Além disso, editais como a Lei Paulo Gustavo também são fundamentais para fomentar esse cenário na cidade.

“Temos algumas políticas públicas, leis de incentivo e editais com LPG e PNAB. Podemos considerar que hoje, mesmo de forma limitada, algumas dessas demandas estão sendo atendidas. Alguns projetos estão tendo visibilidade e conseguindo suporte. Ainda é pouco para que as comunidades possam mostrar o que têm de potencial, mas já apresentam possibilidades para nós. Tem muita coisa por se fazer, mas estamos aqui para continuar, como sempre, desenvolvendo formas e tecnologias para fazer um movimento massa em nossas comunidades.”, finalizam.

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