Os reservatórios do Rio Grande do Norte estão com apenas 55% da capacidade total em maio de 2025, uma queda de 20 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado, quando acumulavam 75%. A redução acende o alerta para uma possível crise de abastecimento no segundo semestre, especialmente nas regiões do Seridó e do Alto Oeste, onde as chuvas foram muito abaixo da média.
A previsão era de um inverno com boas precipitações devido à influência do fenômeno La Niña, que favorece a circulação de ventos e a formação de nuvens no Nordeste, mas o que se viu foi o oposto.
Segundo o meteorologista Gilmar Bristot, da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), houve frustração na recarga hídrica e impacto direto na agricultura. “A agricultura e a reposição dos mananciais já estão sentindo. A tendência é termos dificuldades no abastecimento humano em algumas regiões nos próximos meses”, alertou.
A discrepância entre as previsões e a realidade tem gerado confusão na população. Muitos alertas emitidos por institutos nacionais de meteorologia indicam chuvas fortes em dezenas de municípios, mas o que se vê, frequentemente, são dias ensolarados. Para Gilmar, isso ocorre porque há metodologias distintas entre os institutos.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), por exemplo, utiliza um modelo numérico mais amplo e menos ajustado à realidade local. “Se tivessem ocorrido 10% das chuvas previstas pelo Inmet para o Rio Grande do Norte, os reservatórios do Nordeste estariam todos cheios”, afirmou.
A Emparn, por sua vez, adota um sistema de alerta que envia informações diretamente às defesas civis dos municípios, com foco em evitar alarde e permitir ações concretas de prevenção. Para ele, falta ao País uma política de comunicação clara para eventos climáticos. “Não é responsabilidade apenas. É ausência de política para tratar da divulgação desses alertas”, disse.
A mudança climática, segundo o meteorologista, também tem influência direta no comportamento das chuvas e deve ser levada a sério. “O aumento de 1, 2 ou 3 graus na temperatura global acelera o ciclo hidrológico. A água evapora mais rápido, o solo retém menos umidade e a agricultura tem menos tempo para se desenvolver”, explicou.
Esse encurtamento do ciclo afeta diretamente a produtividade agrícola e, consequentemente, a oferta de alimentos. “O resultado é menos comida na mesa e aumento dos preços. É um efeito dominó que começa com o clima e chega ao prato do consumidor.”
Durante entrevista concedida à 94 FM, Gilmar também criticou a ineficiência dos grandes fóruns internacionais de meio ambiente. Para ele, a Conferência das Partes (COP30), marcada para o segundo semestre, deve seguir o mesmo roteiro das anteriores: muitas resoluções, mas pouca aplicação prática.
“É um evento mais político do que climático. Protocolos são criados, mas acabam engavetados. Os recursos existem, mas não chegam à ponta”, avaliou. Ele apontou ainda a fragilidade do investimento público no setor de meteorologia. “Montam-se estruturas, mas não há verba para mantê-las funcionando. É assim na ciência, na saúde, na educação.”
A rede de monitoramento da Emparn cobre todos os municípios do Estado com dados sobre chuva, temperatura, pressão e umidade. No entanto, a manutenção dessa rede depende de recursos mínimos. Segundo Gilmar, apenas R$ 100 mil por ano seriam suficientes para manter o sistema em pleno funcionamento.
“Com esse valor, garantiríamos visitas técnicas, trocas de sensores, limpeza das estações e até a criação de novos aplicativos para que a população tivesse acesso direto às previsões no celular. É um valor ilusório diante da importância da informação climática para o Estado”, disse.
Atualmente, há um concurso aberto para a contratação de um único meteorologista com doutorado em mudanças climáticas, número que ele considera insuficiente. “Precisaríamos de pelo menos dez profissionais, mas vamos trabalhar com o que temos.”
A Emparn conta com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do RN (Fapern) e de universidades para desenvolver estudos sobre desertificação e mudanças no clima. Ainda assim, Gilmar voltou a afirmar que o maior gargalo está na manutenção da estrutura. Sem os dados gerados pelas estações meteorológicas, nem mesmo decretos de calamidade podem ser fundamentados juridicamente. “Hoje tudo gira em torno da informação. Se não há dado, não há decisão pública bem embasada”, reforçou.
O meteorologista defendeu que a população também tem responsabilidade na mitigação dos efeitos da crise climática. Plantar árvores, usar água com consciência e economizar energia são atitudes individuais que fazem a diferença.
“Quando você planta uma árvore, retira CO₂ da atmosfera, melhora o microclima e contribui para sua própria qualidade de vida”, afirmou. Para ele, cuidar do “terreninho de casa” é o primeiro passo para contribuir com o bairro, a cidade e o planeta.
Gilmar reiterou que o trabalho da Emparn precisa chegar à sociedade com qualidade. “A região semiárida depende dessa informação para sobreviver. Sem dados, o agricultor, o pecuarista e o turista não conseguem se planejar. E sem planejamento, o impacto se multiplica.”