Final de linha do bairro de Pernambués
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE
O boom populacionalSe no período colonial e imperial Pernambués era um refúgio para negros e indígenas, foi a partir da década de 1970 que o bairro passou por uma explosão demográfica. “As obras que desde a década de 70 trouxeram um grande contingente de pessoas do interior do estado para trabalharem nas construções fizeram aumentar consideravelmente o número populacional da comunidade”, relata Suíca.Isto fica evidente no censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, que registrou 64.983 habitantes, com uma distribuição étnica marcante: 27,77% se autodeclararam pretos, 54,69% pardos e apenas 15,97% brancos. Esses números refletem a herança afro-indígena do bairro, que ainda hoje mantém tradições culturais e religiosas fortemente enraizadas.Antes do levantamento feito pelo IBGE, acreditava-se que a Liberdade, por ser considerado um “Território da Cultura Afro-Brasileira”, como reconheceu o Ministério da Cultura, era o bairro com a maior população de negros em Salvador. No entanto, dados do Censo Demográfico de 2010 e, posteriormente, do Censo de 2022 do IBGE, desmistificaram essa crença. As pesquisas revelaram que o bairro de Pernambués possui, na verdade, o maior número absoluto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas.Sobre o crescimento desordenado, os dados do IBGE também mostraram desafios. O Censo 2022 identificou Pernambués como uma das maiores favelas do Brasil em número de domicílios, ocupando a 11ª posição no ranking nacional e a 2ª em Salvador, com 18.662 residências estimadas. A renda per capita gira em torno de R$ 1.000 a R$ 1.400 mensais, um reflexo das desigualdades que persistem mesmo em meio ao desenvolvimento.
Avenida Thomaz Gonzaga em Pernambués
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE
Cultura, religião e resistênciaApesar das dificuldades, Pernambués é um celeiro de cultura e religiosidade afro-brasileira. A turismóloga Rosa Sales enfatiza: “Pernambués ainda é um quilombo, apesar do desenvolvimento. Podemos ver o reflexo disso no comércio, por meio dos tabuleiros de frutas, quitandas, o candomblé, que é outra herança dos negros neste bairro com a maior população negra de Salvador”.No candomblé, Pai Ubiratan, líder religioso de Nação Ketu, conta que sua casa de axé tem mais de 50 anos. “Aqui era a minha mãe que comandava, era Iêda de Iemanjá, mas ela descansou e estou à frente do terreiro. Tem muito terreiro ainda por aqui, tem de Nação de Angola também. Nós demos continuidade.”Embora não haja um número oficial, estima-se que existam entre 30 e 70 terreiros de matriz africana em Pernambués. Paralelamente, as igrejas evangélicas também se expandiram, com cerca de 40 a 80 templos espalhados pelo bairro, mostrando a diversidade religiosa da comunidade.Orgulho de ser de PernambuésA efervescência cultural do bairro vai além da religião. O cantor de rap Negro Davi destaca: “Aqui tem de tudo: gari, motorista, dançarina, advogado, professor, cantor de rap. Tem muitos talentos aqui. O problema é que mostram muito o lado ruim, mas não o lado bom. E aqui tem muita coisa boa. Viver em um bairro negro tem todas essas questões. Precisamos ter mais solidariedade, uns ajudando aos outros.”
O problema é que mostram muito o lado ruim, mas não o lado bom. E aqui tem muita coisa boa.
Negro Davi – cantor de rap
O Grupo Artístico de Pernambués (GAP) é outro exemplo dessa potência criativa. Criado por moradores e amigos do bairro, o projeto transforma vidas por meio da educação e da arte. “O bairro cresceu em todas as áreas: cultural, religiosa, independência, musical e educacional”, ressalta Suíca.Para a coordenadora geral do Terno Rosa Menina, Isabel Nascimento, fundado por seu pai em 1945, lembra das histórias contadas por sua mãe, Luiza Nascimento, sobre as Ganhadeiras de Itapuã e da Boca do Rio, que passavam por Pernambués vendendo quitutes. “Era uma época muito boa, brincávamos muito na rua com toda segurança. Hoje o bairro cresceu muito, mas continua sendo um ótimo lugar para morar.”
Isabel, do Terno Rosa
Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Data: 14/05/2025
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE
Apesar dos avanços, o bairro ainda enfrenta desafios como a falta de infraestrutura e o estigma associado às comunidades periféricas. Mas, como ressalta a arte-educadora Jedjane Mirtes, “é preciso aceitar de onde viemos e dizer que podemos ir além. Pernambués tem se afirmado mais, tem discutido a sua negritude. Aqui é o meu lugar, embora esteja aprendendo a lidar com as contradições do bairro. Mas sou fruto dessa comunidade e me orgulho disso.”Em meio aos seus becos, ladeiras, centros culturais e terreiros, Pernambués segue sendo uma comunidade viva, vibrante e plural. Um bairro que guarda na pele, na memória e nas manifestações culturais, o orgulho de uma história forjada na luta, na fé e na esperança. Uma Salvador que não está apenas nas praias e cartões-postais, mas que pulsa com força nas suas raízes quilombolas e na resiliência do seu povo.Como bem define Suíca: “Hoje é possível perceber na comunidade de Pernambués a força dos moradores em buscar seus direitos, a lutar por uma comunidade melhor, mais organizada e o orgulho com a identidade cultural afro-brasileira. E é essa força que continua a moldar o futuro do bairro”.