Entidades avançam na luta por equidade étnico-racial na educação

O Brasil, apesar de ter avançado em alguns aspectos, ainda enfrenta uma realidade marcada pela desigualdade étnico-racial nas escolas, o que se reflete diretamente no desempenho acadêmico de alunos negros, indígenas e quilombolas. A disparidade educacional, conforme apontado pelo levantamento recente da ONG Todos Pela Educação, mostra que o acesso de jovens negros ao ensino médio ainda equivale a um atraso de uma década em comparação com seus colegas brancos.Os dados apresentados ontem, fazem parte do balanço das ações do último ano, na segunda edição do encontro de autoridades e especialistas que discutem em Salvador a implementação de políticas antirracistas na educação básica. Promovido pelas organizações Mahin Consultoria Antirracista e Todos Pela Educação, o encontro aponta os desafios que ainda persistem.Ellen da Silva, cofundadora da Mahin Consultoria, destacou que, embora o encontro de 2023 tenha sido um marco, as barreiras para a implementação de políticas educacionais antirracistas ainda são significativas. “O desafio começa com a sensibilização das lideranças, que muitas vezes enxergam a educação das relações étnico-raciais como uma agenda paralela, sem entender sua importância estruturante para a qualidade educacional”, afirmou. Essa falta de compreensão, segundo ela, é um dos principais obstáculos a serem superados.A cofundadora ressaltou as diferenças entre o evento realizado no ano passado e esta edição na capital baiana. “O evento do ano passado estava focado em ampliar a agenda, reunindo autoridades, deputados, secretários de Educação e atores estratégicos do terceiro setor e do setor educacional. Foi uma abordagem mais voltada para a conscientização, sensibilização e aprendizado. Este ano, a estratégia é um pouco diferente. Estamos focados em fortalecer e expandir o imaginário dos técnicos presentes, que representam quase um terço do evento, sobre as possibilidades de políticas educacionais antirracistas”.A transversalidade das políticas também se apresenta como um desafio, conforme ressaltado por Ellen. Para que sejam bem-sucedidas, as ações antirracistas precisam estar integradas a todas as áreas da educação, desde a alocação de professores até a formação continuada. “É uma política onerosa e exige articulação entre diversas frentes dentro das secretarias de educação”, comentou a especialista.No âmbito estadual, a Secretaria de Educação da Bahia tem sido um dos destaques nas ações voltadas para a equidade racial. O diretor de gestão e planejamento estratégico, Astor Vieira, destacou que a Bahia, um estado com grande maioria da população negra, tem trabalhado para que a inclusão racial seja uma pauta central nas escolas públicas. “Temos projetos que promovem a educação antirracista e a formação continuada de professores. Além disso, valorizamos a história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares”, disse.Entre as iniciativas da secretaria, Vieira ressaltou a importância de projetos como a formação de professores voltada para a sensibilização racial e a inclusão de materiais didáticos que não reproduzam estereótipos discriminatórios. Ele também mencionou o esforço da Bahia em promover o reconhecimento da identidade negra entre os alunos, combatendo o racismo estrutural presente nas instituições de ensino.Jackson Almeida, analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, acrescentou que a organização tem desempenhado um papel crucial na promoção da equidade étnico-racial. “O Todos Pela Educação tem colaborado com a Mahin na condução de produções técnicas e posicionamentos que impulsionam as discussões sobre o tema”, disse. Segundo ele, é necessário ampliar o diálogo com gestores públicos e líderes educacionais para que essas discussões se traduzam em ações práticas. “Precisamos garantir que essas políticas cheguem às salas de aula, com conteúdos que abordem o racismo estrutural de forma contínua e estratégica, não apenas em datas específicas, como o mês da Consciência Negra”.Além disso, Jackson enfatizou a importância de adaptar os currículos escolares para incorporar temas relacionados à equidade étnico-racial. “É preciso investir em políticas pedagógicas que apresentem a estudantes negros e negras a relevância de suas ancestralidades e culturas, promovendo uma formação integral que fortaleça suas identidades”, explicou. Segundo ele, essa abordagem deve ser contínua e articulada com outras políticas públicas.No entanto, apesar dos esforços locais, há uma resistência que ainda precisa ser enfrentada. A negação do racismo, que muitas vezes se manifesta de forma sutil, é uma barreira significativa. “Há casos de deslegitimação da agenda antirracista, tanto em esferas de gestão quanto entre os próprios professores”, afirmou Ellen da Silva. Esse fenômeno, segundo ela, é um reflexo da estrutura racial do país, que precisa ser combatida com educação e políticas públicas fortes.A Secretaria de Educação da Bahia reconhece esses desafios e tem trabalhado para enfrentá-los. De acordo com Astor Vieira, a pasta tem se empenhado em aplicar as leis como a 10.639/2003, que garante a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. “Nosso objetivo é garantir que a educação baiana reflita a diversidade e enfrente o racismo em todas as suas formas”, disse.O evento “Equidade Étnico-Racial na Educação Básica: Caminhos Possíveis”, que acontecerá em Salvador no dia 12 de setembro de 2024, será a segunda edição desse importante encontro. Organizado pelo Banco Mundial e Mahin Consultoria, com apoio do Todos Pela Educação, o evento reunirá gestores públicos, parlamentares e especialistas para discutir os avanços e os desafios na implementação de políticas antirracistas no Brasil.Um dos principais objetivos do evento será o lançamento do documento “Inclusão Afrodescendente na Educação”, produzido pelo Banco Mundial, que visa orientar as políticas educacionais com um foco mais incisivo na equidade racial.Com a participação de representantes de mais de 20 secretarias de educação e especialistas renomados, a expectativa é que o evento sirva como um catalisador para novas ações em prol da equidade racial nas escolas brasileiras. “Queremos que essas políticas não sejam apenas uma meta, mas uma realidade em todo o Brasil”, concluiu Ellen da Silva. Com esses esforços, as organizações envolvidas esperam que a educação para as relações étnico-raciais se torne, cada vez mais, uma premissa essencial para a construção de um sistema educacional mais justo e igualitário.*Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre
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