Trânsito na rotatória da Praça Lord Cochrane, em Salvador
| Foto: Olga Leiria / AG. A TARDE
Os registros de acidentes em Salvador abrangem, além das vias municipais, trechos da BR-324 até a divisa com Simões Filho, assim como as rodovias estaduais BA-526 – que dá acesso ao Aeroporto Internacional de Salvador e possui 23,5 quilômetros de extensão — e BA-528, que liga a BR-324 à Base Naval de Aratu.A tendência também é visível na Bahia. Em 2024, segundo os dados do Sinan, 2.975 pessoas perderam a vida nas vias públicas das cidades e nas rodovias estaduais e federais que cortam o estado. Em 2023, o número foi de 2.848 mortos, um aumento significativo em relação aos anos anteriores. Em 2022, foram 2.303 vítimas fatais, e em 2021, o número foi de 2.211. O ano com o menor registro de mortes no estado desde 2017 foi 2018, com 1.981 óbitos.Números alarmantesPara Herval Bruno Moreira dos Santos, chefe do Setor de Estatísticas de Acidentes de Trânsito da Transalvador, o aumento no número de sinistros na capital baiana é motivo de preocupação. “Houve uma queda em 2021 e 2022, mas, a partir de 2023, os números voltaram a subir, e em 2024 as mortes continuaram aumentando. Esse crescimento ocorreu no período pós-pandemia”, explicou.Herval acredita que a redução de mortes entre 2021 e 2022 foi resultado da diminuição do número de veículos nas ruas. “Já o aumento em 2023 e 2024 pode ser atribuído à retomada da circulação de veículos”, observa ele, para em seguida acrescentar: “Além disso, vemos um aumento na intolerância no trânsito. Quem dirige pode perceber isso claramente, e os pedestres também estão mais distraídos nas vias. Isso está acontecendo não só aqui, mas em todo o Brasil.”O diretor-geral do Detran, Rodrigo Pimentel, acredita que a ansiedade gerada pelos longos meses de confinamento está diretamente relacionada ao aumento das ocorrências. “A falta de atenção no trânsito, seja pelo uso do celular ou pelo estresse, tem causado acidentes graves”, afirma (leia a entrevista completa na página xx).Pimentel também destaca que o excesso de velocidade continua sendo a principal causa de mortes no trânsito. “A velocidade tem um papel fundamental nos acidentes fatais. A campanha do Maio Amarelo, com o tema ‘Desacelere, seu bem maior é a vida’, foi criada justamente para chamar a atenção para a importância de respeitar os limites de velocidade”, explica.
Avenida Juracy Magalhães Júnior, em Salvador
| Foto: Olga Leiria / AG. A TARDE
Distração do celularPara o tenente Igor Arytan, diretor do Centro de Formação de Condutores da PM — Autoescola Tiradentes, um dos principais problemas no trânsito atualmente cabe na palma da mão: o celular. “Vivemos na era da comunicação instantânea, em que ninguém quer interromper suas interações, seja por motivos pessoais ou profissionais. Essa distração provocada pelo uso do celular é responsável por muitos acidentes”, alerta.O tenente Arytan também aponta a pressa como uma das principais causas dos sinistros de trânsito. Ele lembra que o trânsito, antes de tudo, envolve mobilidade: a capacidade de ir de um lugar a outro. “E as pessoas têm pressa nos deslocamentos. Essa pressa faz com que andemos muito perto de outros veículos, façamos transições de faixa de forma insegura, sem observar o retrovisor ou sinalizar corretamente. É muito comum observar acidentes assim em Salvador”, afirmou.A diretora de ensino e fundadora da Autoescola Ponto Alto, Leila Chamelet, é outra a observar que o uso do celular agravou significativamente os riscos no trânsito. “O celular nos expõe a um imediatismo muito grande. As pessoas não querem esperar para atender uma ligação ou enviar uma mensagem. Hoje em dia, é comum ver até motociclistas digitando enquanto conduzem”, afirma.Leila Chamelet avalia que ainda falta conscientização dos motoristas em relação não só ao uso de celular, como também a outros problemas do trânsito, como o excesso de velocidade. “Aí entram as políticas públicas e também a formação. Não se pode esperar uma modificação a curto prazo — isso não existe. Tem que ser um processo educativo, a médio e longo prazo, e com uma constância total. Não pode ser uma campanha por ano”, avalia.
Faixa na Avenida Mário Leal Ferreira (Bonocô)
| Foto: Olga Leiria / AG. A TARDE
Motocicletas e pedestresEntre as principais vítimas fatais de acidentes de trânsito, os motociclistas continuam liderando, com ampla margem, essa triste estatística. Tanto em Salvador quanto na Bahia como um todo, eles são os que mais morrem em acidentes. Em 2024, 65 motociclistas perderam a vida no trânsito da capital, número superior aos 54 registrados em 2023. As mortes de motociclistas nesses dois anos também foram as mais altas desde 2017.O aumento da frota de motocicletas contribui de forma decisiva para esse cenário. Desde 2020, o número de motos em Salvador cresceu 40%, impulsionado pela expansão dos serviços de entrega de alimentos e outros produtos, acelerada pela pandemia, que fez disparar o número de entregadores que utilizam motocicletas como principal meio de trabalho.O tenente Arytan destaca a importância dos motociclistas para o funcionamento do trânsito em grandes cidades. “As motocicletas são fundamentais para entregas de comida, medicamentos, mercadorias em geral, além do transporte de passageiros e deslocamentos pessoais. Por isso, exigem muita atenção”, ressalta.Ele relata que também atua com motocicletas na estrutura da Polícia Militar e reforça que a atenção ao conduzir esse tipo de veículo deve ser redobrada. “O motociclista precisa observar as mudanças de faixa dos carros e manter uma distância segura, pois pode estar no ponto cego de um veículo e não ser visto”, alerta.Os pedestres também figuram entre as principais vítimas do trânsito em Salvador, disputando o primeiro lugar no ranking com os motociclistas. Só no ano passado, 56 pedestres morreram nas vias da cidade — 20 a mais do que em 2023, quando foram registradas 36 mortes. De 2017 a 2021, eles lideraram as estatísticas de vítimas fatais no trânsito da capital baiana, segundo dados da Transalvador. Essa tendência começou a se inverter apenas a partir de 2022.O tenente Arytan ressalta que o pedestre não deve se arriscar em travessias fora dos locais autorizados. “O respeito às normas é essencial. Em outras cidades do Brasil, a cultura de respeito à faixa já é mais consolidada, e precisamos fortalecer isso aqui também”, afirma. Ele lembra ainda que o condutor tem a obrigação de parar para o pedestre, conforme prevê o Código de Trânsito. “Veículos maiores são responsáveis pelos menores, e todos são responsáveis pelos pedestres”, completa.O diretor do Centro de Formação de Condutores da PM prefere não chamar as ocorrências que resultam em mortes e feridos no trânsito de acidentes, mas de sinistros. Ele explica o motivo: “Hoje falamos em ‘sinistro de trânsito’ e não mais em ‘acidente’, porque o acidente sugere algo sem responsabilidade, enquanto o sinistro decorre de descuido ou negligência. E a maioria das ocorrências hoje é causada por falha humana”. Para ele, a única forma de mudar esse cenário é com mais atenção, responsabilidade e respeito no trânsito — atitudes que salvam vidas.Programa tornou Salvador referência na redução de mortesApesar do aumento recente nos números, Salvador ainda é considerada uma referência no Brasil pela expressiva redução de mortes no trânsito registrada nos anos anteriores. Em 2010, a cidade contabilizou 276 mortes, número que caiu para 130 em 2020 — uma redução de 52%. O resultado tem relação direta com a atuação do Programa Vida no Trânsito (PVT), iniciativa do governo federal que reúne diversos órgãos, como a Transalvador, as secretarias estadual e municipal de Saúde e a Polícia Rodoviária, e que se mostra fundamental para a coleta de dados e a implementação de soluções.Segundo Ana de Fátima Cardoso Nunes, que coordena o setor de Doenças e Agravos Não Transmissíveis da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), o PVT é um programa multidisciplinar e intersetorial, cujo objetivo é diagnosticar as ocorrências de trânsito para, a partir daí, propor soluções. “Primeiro a gente define o cenário; depois, começamos a monitorar o número de óbitos e de sinistros, reunindo as parcerias intersetoriais necessárias para enfrentar o desafio de reduzir esses índices”, explica.Ela acrescenta que o cenário inicial é traçado com a participação de representantes de órgãos como o Detran, o Samu e unidades de urgência e emergência. “A gente se reúne e, a partir dos dados coletados, buscamos responder a perguntas como: onde está ocorrendo o maior número de acidentes? Que tipo de acidente acontece com mais frequência?”, detalha. Com base nessas respostas, o comitê identifica os fatores de risco e define as medidas que deverão ser adotadas.As intervenções incluem mudanças na infraestrutura viária. Ana de Fátima Cardoso cita o exemplo da Avenida Suburbana, em Salvador, que foi alterada a partir das conclusões do comitê do Programa Vida no Trânsito. “Havia uma curva na Suburbana, na região de Escada, onde se concentrava a maioria dos acidentes. Com o diagnóstico do PVT, foi implementada uma solução de engenharia para corrigir o problema”, relata.Importância dos dadosEm Salvador, os dados obtidos pelo PVT são repassados à Gerência de Projetos da Transalvador. “Ao identificar os locais com maior número de acidentes e mortes, conseguimos avaliar quais medidas podem ser adotadas para melhorar a situação, seja por meio de soluções paliativas ou definitivas, sempre com o objetivo de evitar novos sinistros nesses pontos”, explica Herval dos Santos, chefe do Setor de Estatísticas de Acidentes de Trânsito da Transalvador.Essas intervenções vão desde alterações no traçado das vias, como mencionou Ana Cardoso, até a instalação de radares, fotossensores, semáforos, faixas de pedestres e a redução dos limites de velocidade — medida já aplicada em várias avenidas da cidade. “Não sei se você reparou, mas muitas vias que tinham velocidade máxima de 70 ou 80 km/h passaram a ter limites de 60 ou até 50 km/h”, exemplifica Herval.Segundo Ana Cardoso, os dados do PVT também influenciaram na decisão do governo de construir o Hospital Ortopédico do Estado da Bahia, localizado no bairro do Cabula. “Nossa secretária de Saúde, Roberta Santana, teve a iniciativa de utilizar essas informações no momento da criação do hospital. Quando paramos para analisar a quantidade de casos — e aqui não falo apenas de óbitos, mas também de acidentes graves —, vemos que muitas vítimas precisam de tratamentos longos, muitas vezes por períodos quase indefinidos”, destacou.Expansão para o interiorAgora, o PVT está sendo levado para o interior do estado. Inicialmente, foram selecionados 15 municípios com as maiores populações, elevado número de mortes no trânsito ou que já contassem com uma estrutura mínima na área, conforme explica Ana Cardoso. “Esses foram os critérios iniciais, mas a adesão é opcional. Mesmo os municípios que não se enquadrem podem manifestar interesse em participar”, afirma.Entre os municípios que já aderiram ao programa estão Ilhéus, Juazeiro e Lauro de Freitas. Segundo a coordenadora, o PVT segue uma metodologia definida, mas flexível, adaptando-se à realidade de cada local. “Em algumas cidades do interior, por exemplo, o trânsito de veículos de quatro rodas não é o principal problema. Nesses casos, concentramos as ações na circulação de motos, que registram índices alarmantes de acidentes”, explica.Confira aqui 8 dicas para uma direção defensiva