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Trabalhador supera a necrofobia e ganha a vida fazendo autópsia
Formada em tanatoplaxia, há dois anos, Márcia trabalha cuidando de quem já morreu, há 30, desde quando era uma adolescente, de 17 anos. “Antigamente, não precisava de profissão para trabalhar na área de funerária, nem arrumando óbito, nada disso. Agora, a gente tem a profissão legalizada para poder fazer esse trabalho”, explicou.
Orgulhosa, Márcia mostra o certificado do curso de tanatoplaxia pendurado na parede da empresa
| Foto: Raphael Muller/Ag. A Tarde
Ela conta que o seu sonho era ser médica, mas, como não teve a oportunidade de fazer o curso de medicina, terminou enveredando na área mortuária. “Eu ia estudar para a médica, não tinha dinheiro aí fiquei na área funerária. Eu gosto do meu trabalho, chamo eles de meus pacientes”, declarou.”Chegou uma senhora, há um tempo atrás mesmo, parecia que ela estava de mal com a vida. Muito zangada, o rosto muito feio. Aí eu comecei a conversar com ela e maquiando, maquiando, penteei o cabelo dela, botei puladinho e tudo. Depois fui lá olhar, ela estava com um semblante bem diferente do que ela chegou. Estava com um aspecto assim, que aceitou a morte. Eu acredito”, lembrou a tanatoplaxista.
Márcia arruma os cabelos do paciente
| Foto: Raphael Muller/Ag. A Tarde
Márcia revelou ainda que sua relação com os mortos nunca foi de medo e sim de muito respeito. “”Nunca tive medo, não. Sempre gostei. Eu converso com eles. Às vezes, eu conto até alguma coisa da minha vida. Às vezes, eu oro com eles. Às vezes eu estou assim, cansada do dia todo, trabalhando. Eu digo: ‘me ajude para eu terminar logo’. Quando eu fecho o laboratório à noite, que eu vou descansar, aí eu falo assim mesmo para eles: ‘Boa noite, vou apagar a luz. Não vão aprontar aí, vão dormir e apago a luz. Meus colegas ainda me chamam de doida, mas nesse ramo, a gente é um pouco doido mesmo, porque trabalhar com óbito não é brincadeira, não”,”
“Nunca tive medo, não. Sempre gostei. Eu converso com eles. Às vezes, eu conto até alguma coisa da minha vida. Às vezes, eu oro com eles.
Marcia Lima de Oliveira – Necromaquiadora
Causos da profissãoNos 30 anos anos de profissão, Márcia lembra que já soube de muitos casos de assombração e ouviu algumas coisas, principalmente, quando trabalhava em uma funerária que ficava nas dependências do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR).”Nunca tive pesadelo, nunca sonhei com nada. No IML, já ouvi várias coisas, grito, gemido, alguém jogando bola, essas coisas. Mas, assim, para a gente nitidamente, para você ver claramente, nunca vi. Já ouvi muitas coisas, mas, para ver mesmo, não. É lenda! O pessoal conta muita lenda e eu trabalhei ali muitos anos de boa, sozinha ali. A noite era um deserto danado, cheio de pé de árvore, as árvores ficavam cantando. Mas, era só isso e pronto. Amanheceu o dia, tudo novo”, relembrou Márcia, entre risos.
O orgulho da profissão estampado no rosto
| Foto: Raphael Muller/Ag. A Tarde
Pedidos inusitadosAlém dos causos, Márcia guarda na memória alguns pedidos inusitados de familiares e dos próprios mortos confidenciados aos entes queridos antes de partir ‘dessa para melhor’.”Já teve o óbito de vestir calcinha da esposa. Disse que era para lembrar dela, quando chegasse lá em cima. Eu já vesti camisola em homem aqui, que a esposa trouxe, porque disse que ele dizia assim: ‘quando morrer eu quero sua camisola’. Já arranquei até dente de ouro que a família pediu para ninguém roubar no cemitério. Tirei e devolvi à família. Tem cada caso”, recordou. “Ah! Uma vez, um rapaz veio com um pênis artificial e um normal. Esse dia foi chocante, porque ele estava usando os dois. Ele era homem e tinha dois. Mas, um era artificial, que ele colocou, e o outro não”, completou ela.Limites e aprendizadosMárcia diz que, apesar dos longos anos de carreira, ainda se sente mal ao ter que preparar alguns corpos para o sepultamento: “Eu não gosto de fazer criança, recém-nascido, criança até três anos”.”Eu mesmo fiz agora, uns meses atrás, o casal e dois filhinhos que morreram num acidente que teve na praia do Forte por ali. Um menino de três anos e o outro de um ano e pouco. Foi muito forte, porque eu tinha que reconstruir a face de todos os quatro. Eles ficaram muito machucados e tive que arrumar com maquiagem e botar para viajar. Aí é doloroso. A gente sente muito quando faz criança. Mas fora isso, o resto é tudo o dia a dia mesmo”, confessou.Para ela, trabalhar com os mortos só lhe trouxe ensinamentos e a fez entender que a vida é um ciclo e que precisa ser vivida com respeito, humildade e amor ao próximo. “Você amadurece, você fica com o pé no chão, você fica mais humilde. Porque esse trabalho mostra que a gente é muito sensível e, ao mesmo tempo, a gente é forte também. Porque, às vezes, você perde um ente querido seu e você tem que buscar a força onde não tem e, quando você trabalha nessa área, você já tem como lidar com seus familiares a respeito da morte”, concluiu a profissional.O que é Tanatopraxista e Necromaquiador?Tanatopraxista – Profissional que se especializa na preparação de corpos para velórios e sepultamentos. A função principal desse especialista é retardar o processo de decomposição, garantir a higiene e a aparência natural do cadáver, possibilitando que os familiares possam se despedir do ente querido com dignidade e de forma mais confortável.
Escolhendo o melhor blush para maquiar o paciente
| Foto: Raphael Muller/Ag. A Tarde
Necromaquiador – Profissional especializado em aplicar maquiagem em cadáveres para melhorar a aparência e proporcionar que ele tenha uma apresentação mais natural durante o velório ou funeral. Também conhecida como maquiagem funerária ou necromaquiagem, essa técnica visa camuflar sinais de doença, lesões ou danos causados por acidentes, permitindo que os falecidos estejam com uma aparência mais serena.