Como vestido de carne de Lady Gaga virou ícone fashion e simbolizou o auge de sua carreira


Look entrou para a história e consagrou cantora como referência potente (e polêmica) que vai além da música. Como vestido de carne de Lady Gaga entrou para a história
O look mais icônico de Lady Gaga é feito de carne crua. Para ir à cerimônia do Video Music Awards 2010, a cantora vestiu bifes de vaca dos pés à cabeça. Inesquecível, o momento chocou a todos e virou símbolo da era mais poderosa de Gaga, que se apresenta neste sábado (3) na Praia de Copacabana, no Rio.
Dias antes do VMA, a artista já tinha aparecido com roupa carnívora, ao estampar a capa da “Vogue” japonesa com um biquíni de bife. Mesmo inusitado, o visual não gerou tanta polêmica quanto ao vestido de carne usado na premiação.
No VMA, Gaga vestiu três looks. Primeiro, ela chegou com um vestido da grife Alexander McQueen e, pouco depois, trocou para outro da Giorgio Armani. Deixou o melhor para o final e, com alguns pedaços de carne morta sobre a pele, entrou para a história.
Lady Gaga no VMA (à esq.) e em capa da revista Vogue Japonesa, ambos momentos em 2010
Mark Ralston/AFP/Divulgação
Do açougue ao guarda-roupa
Vestido, sapato, chapéu e bolsa: tudo cheirava literalmente a carne. O look foi costurado junto de peças como espartilho e joias, mas seu principal material veio de um açougue, sob encomenda do estilista Franc Fernandez.
“Sou argentino. A maioria dos nossos pratos é de carne vermelha, então temos uma relação muito próxima com os açougueiros. Fui ao açougue da minha família, disse a eles que ia costurar a carne como um tecido, e eles perguntaram: ‘Ah, você quer este corte? Aquele?’ Foi muito simples”, disse o designer em 2023, no podcast “Witness History”, da BBC.
O estilista conta que se encantou pela atmosfera mórbida do visual. Enquanto costurava, lembrava de filmes de terror: “Parece errado, então é divertido de fazer”.
Lady Gaga no VMA 2010
Mark Ralston/AFP
Levou uma semana para o look ficar pronto. O processo de fabricação das peças também envolveu os designers da Haus of Gaga, equipe da cantora. Segundo Fernandez, ela não chegou a experimentar o vestido, mas ele já sabia que ficaria incrível em seu corpo.
A ideia do look veio da própria Gaga. Sua maquiadora da época, Val Garland, tinha falado para ela da vez em que vestiu salsichas para ir a uma balada underground dos anos 1980. A cantora amou a história.
Bife polêmico
Assim que Gaga apareceu vestida de carne no VMA, seu look se tornou o principal assunto da festa. “Tem uma foto incrível do momento em que ela está no palco recebendo o prêmio. Todo mundo da plateia está com uma cara bastante confusa”, lembrou Fernandez.
A artista sempre soube que ia chocar — e foi justamente por isso que escolheu ir daquele jeito. Em meio à repercussão, teve quem elogiasse, criticasse ou se mostrasse confuso. Mas todos ficaram de queixo caído.
A revista “Time” elegeu o vestido de Gaga como o principal momento fashion de 2010, e dá para entender o porquê. Mais de uma década se passou e cá estamos, falando de seus impactos.
Na época, a Vegetarian Society protestou contra o vestido. Em nota, a organização disse: “Não importa quão bonita pareça, a carne de um animal torturado é carne de um animal torturado”.
Lady Gaga no VMA 2010
Reprodução/YouTube
Já jornalista Ellen DeGeneres, que era vegana, trouxe um contraponto: “Como alguém que ama animais, foi muito difícil para eu sentar ao seu lado enquanto ela usava aquela roupa, mas isso me fez questionar: ‘Qual é a diferença entre a roupa dela e uma peça de couro?’.”
Um dos elogios ao look veio da cantora Cher, que o definiu como surpreendente e genial. Foi ela quem segurou a bolsinha carnívora da Gaga no VMA quando a popstar recebeu o prêmio de melhor videoclipe, por “Bad Romance”.
O que significa?
Mais do que análises de repúdio ou elogiosas, muito se falou sobre o significado do look. Embora existam várias interpretações, Gaga sempre bateu o pé de que se tratava de um protesto político.
Em entrevista a CBW News, a cantora afirmou: “A implicação moral, ética e política daquela roupa estava muito além do que a maioria das pessoas pensa, que é ‘eca'”.
A intenção, segundo ela, foi protestar contra uma política popularmente conhecida como “don’t ask, don’t tell” (“não pergunte, não diga”). Na época, o exército americano barrava militares de falar da orientação sexual.
“Carne morta é carne morta. Qualquer um que esteja disposto a tirar a própria vida por seu país é o mesmo. Você não é um morto gay ou um morto hetero. Você é morto”, disse Gaga quando voltou a comentar o polêmico vestido para a revista “Vogue” em 2021.
Para ela, o look seria um ato de apoio à comunidade LGBT. O fato é que essa mensagem não é explícita — no máximo, é um recado subliminar. Mas isso não é um problema para a artista, já que ela sempre gostou de explorar referências que fogem do óbvio.
Desde o início da carreira, a americana deixa sua criatividade fluir e produz uma arte provocativa que gera diferentes reflexões. O vestido de carne vai nessa mesma pegada.
Com uma estética surrealista, a roupa levantou vários debates. Entre as análises que mais repercutiram, estão as de que o lookinho de carne seria:
Crítica à objetificação feminina;
Subversão dos padrões fashion;
Deboche da indústria têxtil;
Menção à hipocrisia de quem come carne;
Desejo pelo holofote.
O único consenso é que a roupa é perturbadora. Causa incômodo até mesmo em quem a elogia.
Genial ou abominável, toda essa bizarrice se conecta diretamente com a veia artística de Lady Gaga, que une música, moda e teatro em performances extravagantes.
Digno de dark pop
A cantora foi a artista mais aclamada do VMA 2010. Além de ter levado o principal troféu (melhor videoclipe), ganhou mais sete prêmios. Seu feat com Beyoncé, “Telephone”, rendeu a estatueta de melhor colaboração, enquanto “Bad Romance” levou os prêmios de melhor clipe feminino, melhor clipe pop, melhor clipe dance, melhor direção, melhor coreografia, melhor edição.
Clipes ‘Bad Romance’, ‘Alejandro’ e ‘Paparazzi’, de Lady Gaga
Reprodução/YouTube
Além dos oito prêmios conquistados, Gaga foi indicada a outras cinco categorias. A propósito, naquele VMA, ela se tornou a primeira cantora a receber duas nomeações no prêmio de melhor videoclipe. Também virou a artista com o maior número de indicações em uma edição do VMA.
Graça à explosão dos discos “The Fame” e “The Fame Monster”, a americana estava vivendo o auge da carreira. E o vestido de carne tem a mesma energia dos hits dessa sua fase.
Assim como o look excêntrico, “Bad Romance” é sombria e criativa. A canção é um dark pop — um tipo de eletropop rasgado com influências que vão da música industrial ao glam rock. Debochada, a letra é sobre um amor macabro, ou “um romance maldoso” como o próprio título sugere.
Outro hit dessa era, “Paparazzi” também combina com o vestido de carne. As batidas são misteriosas e emulam um clima de terror que nos prende do começo ao fim. Não à toa, Gaga fez uma performance sangrenta dessa música, no VMA 2009.
“Alejandro” é outro bom exemplo que se aproxima dos bifes de vaca usados por Gaga: tenebroso e, ao mesmo tempo, hipnotizante.
Do tapete para o museu
Disruptivo, o look de carne de Gaga ainda tem um quê conceitual que remete a outros momentos famosos do mundo artístico.
A britânica Linder Sterling causou polêmica em 1982, quando vestiu bifes em um show punk na Espanha. Cinco anos depois, foi a vez da canadense Jana Sterbak mergulhar na ideia, a partir da fotografia “Vanitas: Vestido de Carne para uma Albina Anoréxica”.
As obras ‘Vanitas: Vestido de Carne para uma Albina Anorexia’, de Jana Sterbak, e ‘Figura com Carne’, de Francis Bacon de
Museu Walker Art Center/Art Institute Chicago
A capa do disco “Yesterday and Today” (1966), dos Beatles, é tão mórbida quanto o vestido-bife de Gaga. O mesmo pode ser dito sobre a pintura “Figura com Carne”, de Francis Bacon.
É como se a dona do hit “Bad Romance” tivesse mesclado várias referências para brilhar em sua própria autenticidade, que é digna do status de diva popstar.
Após passar por um processo químico para se tornar carne seca, o vestido de carne da cantora foi exposto no Hall do Rock, em Ohio. Hoje, fica no museu da Haus of Gaga, em Las Vegas (EUA). Sua trajetória é o clássico “fale bem ou fale mal, mas fale de mim”.
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