Em decisão histórica, o Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aprovou, nesta sexta-feira (25), por unanimidade, a revogação dos títulos de Doutor Honoris Causa concedidos ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco, em 1966, e ao general Emílio Garrastazu Médici, em 1971. A decisão foi acompanhada por representantes do movimento estudantil, docente, parlamentar e da sociedade civil organizada.
Mais de meio século depois das concessões, a UFRN reavalia as homenagens feitas em tempos de repressão e silêncio. Os nomes de Castello Branco e Médici figuram entre os 377 agentes responsabilizados pela Comissão Nacional da Verdade por graves violações de direitos humanos. As propostas de revogação foram encaminhadas pelo reitor José Daniel Diniz Melo, que fundamentou seu posicionamento nos relatórios da própria Comissão da Verdade da UFRN, instituída em 2012 e com relatório final publicado em 2015.
“A gente corrige um erro tomado em um período muito difícil da história do Brasil. É muito emocionante para mim mesmo ter feito parte desse momento“, avaliou o professor Jeferson de Souza Cavalcante, relator do processo.
Castello Branco foi o primeiro presidente do regime militar, entre 1964 e 1967. O governo dele deu início à série de Atos Institucionais que restringiram direitos civis e políticos, censuraram a imprensa e extinguiram eleições diretas para cargos majoritários.
“O medo permanente fazia com que as pessoas evitassem determinados posicionamentos mais ostensivos”, relembra o professor Geraldo Queiroz, reitor da UFRN entre 1991 e 1995.
Médici governou entre 1969 e 1974, período classificado no relatório da Comissão da Verdade da UFRN como o mais obscuro da ditadura.
“A UFRN deu um passo histórico. Revogar essas homenagens é reposicionar a história do ponto de vista da dignidade e da verdade”, afirmou Jana Sá, presidenta do Comitê Estadual por Memória, Verdade e Justiça do RN, que complementa:
“A universidade não pode glorificar quem atacou a educação, censurou o pensamento crítico e mandou prender e torturar estudantes, professores, trabalhadores. Essa decisão é um gesto de memória, justiça e reparação. E também um aviso: o Brasil não pode mais tolerar homenagens a torturadores”, concluiu Jana Sá.

A revogação atende a uma das principais recomendações da Comissão da Verdade da UFRN, única universidade federal do Nordeste a instalar uma comissão própria. A pauta, antiga, voltou ao centro das discussões institucionais após compromisso público assumido pelo reitor em setembro de 2024, durante reunião com o Comitê Estadual por Memória, Verdade e Justiça.
Na ocasião, Diniz também garantiu a realização de um ato solene, em dezembro, para diplomar postumamente os estudantes potiguares Emmanuel Bezerra e José Silton Pinheiro, mortos pela ditadura.
Além de estarem em desacordo com os princípios atuais do Estatuto da UFRN, as homenagens não atendem aos critérios de concessão do título honorífico previstos no Regimento Geral da instituição.
Para a professora Conceição Fraga, uma das organizadoras do livro 60 anos do golpe civil-militar no Rio Grande do Norte, a revogação representa uma conquista para as gerações que resistiram ao autoritarismo. “A universidade hoje realmente conquistou um momento histórico.”
UFRN já anulou 33 atos normativos relacionados ao período militar
Em 2024, a UFRN já havia revogado 33 atos normativos editados entre 1964 e 1984, além de ter concedido simbolicamente títulos a estudantes mortos durante o período.
“Esses títulos foram concedidos em contextos autoritários, como forma de legitimar um projeto de poder que perseguiu, silenciou e eliminou aqueles que ousaram sonhar com liberdade e justiça social”, lembrou Jana Sá.
Para Juan Almeida, do Comitê Estadual por Memória, Verdade e Justiça, a decisão “representa um ato de reparação à memória de todo o povo brasileiro, sobretudo dos estudantes, professores e servidores que foram aqui na UFRN atingidos pelos atos de repressão”.
A vice-presidenta nacional da Unidade Popular, Samara Martins, definiu o momento como “mais um dia histórico para o povo potiguar”. E completou:
“Hoje a Universidade Federal do Rio Grande do Norte faz história porque se compromete com a memória, com a verdade, com a justiça.”
O vice-reitor da UFRN, professor Henio Ferreira de Miranda, também destacou a dimensão simbólica do ato.
“Visa resgatar a justiça que não houve naquela época do período totalitário.”
A revogação dos títulos a dois dos mais notórios presidentes da ditadura militar brasileira marca, portanto, não apenas um gesto de resgate histórico, mas também um posicionamento institucional sobre o papel da universidade pública na preservação da democracia.
A decisão do Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Consuni/UFRN) de cassar os títulos de doutor honoris causa concedidos aos presidentes da ditadura militar — Humberto de Alencar Castelo Branco e Emílio Garrastazu Médici — foi celebrada por diversas vozes da sociedade civil, dos movimentos por Memória, Verdade e Justiça e também por representantes institucionais.
“Gesto poderoso de compromisso com a democracia”, afirma Natália Bonavides

A deputada federal Natália Bonavides (PT/RN), representante do Congresso Nacional na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, destacou a importância simbólica e política do gesto:
“Esse momento é realmente muito significativo e representa um avanço importante na luta pela memória e pela justiça no Brasil. A decisão da UFRN de caçar os títulos de doutor honoris causa de figuras como Castelo Branco e Médici é um gesto poderoso que reafirma o compromisso da universidade com a democracia e os direitos humanos”.
Para a parlamentar, “é fundamental reconhecer o impacto devastador que a ditadura teve sobre a comunidade acadêmica, com perseguições, prisões e até assassinatos de estudantes e professores. Essa ação da UFRN não apenas homenageia as vítimas desse período sombrio, mas também destaca a importância de um ambiente educacional que valoriza a liberdade de expressão e a produção de conhecimento sem repressão”.
Do lado dos estudantes, Ana Beatriz de Sá, aluna de Psicologia da UFRN, integrante do movimento Correnteza e do coletivo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, também celebrou a vitória. “Fruto da pressão popular conseguimos cassar e revogar estes títulos.”
Ela aproveitou o momento para cobrar novas medidas da universidade. “É preciso rever o nome do Hospital Universitário Onofre Lopes, que enquanto reitor entregou o estudante potiguar Emmanuel Bezerra à ditadura.”
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