Em 2018, um grupo de estudantes adolescentes suecos, incluindo Greta Thunberg, passou a faltar aulas para protestar em frente ao parlamento desse país contra a inação dos líderes mundiais frente às mudanças climáticas que ameaçam a vida no planeta. Aquela demonstração juvenil de cidadania foi a semente para o surgimento do movimento Fridays for Future (sextas-feiras pelo futuro, em inglês), que mobilizaria jovens em diferentes partes do mundo, em torno das pautas ambientais.A brasileira-alemã Ellen Gomes, que mora há 15 anos na Alemanha, participa dessas mobilizações desde o princípio. A ativista e pesquisadora faz parte de um movimento global da juventude, que luta não apenas pela preservação do planeta, mas pelo direito à conservação das culturas dos povos e contra novas formas de colonização, como as ameaças feitas recentemente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de anexar o Canadá e a Groenlândia e retomar o Canal do Panamá.Ellen é uma dos quatro convidados atuais do Programa de Residência Artística Vila Sul, do Goethe Institut Salvador, que este ano tem como tema Meio ambiente e sustentabilidade – Reconhecendo limites.”Eu venho de uma militância clássica da sustentabilidade, que é a preservação da natureza. Mas o que eu acho pertinente com o contexto da Bahia é, talvez, a questão da sustentabilidade do pensamento”, afirma a ativista, que vê na experiência baiana de preservação e valorização do legado ancestral africano um exemplo que pode ser replicado em outras culturas.”A Bahia, comparada a outros estados brasileiros, já cresceu muito em termos de consciência negra. Um povo que olhou a história, que é triste, horrível, tomou consciência e está construindo uma outra coisa”, destaca Ellen, afirmando que o orgulho de ser negro desenvolvido na Bahia ao longo das últimas décadas virou referência para a África.Ela acredita que o exemplo afro-baiano pode ser utilizado, por exemplo, por populações originárias. “Quando a gente discute na Europa todo mundo fala da Amazônia como pulmão do mundo, mas ninguém fala dos indígenas brasileiros que estão salvando essa floresta. Não há separação entre o indígena e a natureza”, afirma a pesquisadora, que usa a tecnologia para a coleta de dados ambientais.Por coincidência, três artistas do grupo são latino-americanos que vivem na Alemanha e têm algum vínculo com a questão amazônica. Além da paulista Ellen, estão no grupo atual o brasileiro-alemão Francisco Klinger e o colombiano-holandês Roberto Uribe, que têm aproveitado a proximidade cultural entre o três para trocar ideias enquanto conhecem a realidade soteropolitana . A quarta integrante, única que não mora no país europeu, é a cambojana Sremayo.Se sobrar um tempinho entre as atividades a que os residentes do Vila Sul se dedicam normalmente, o paraense Francisco gostaria de dar uma esticada até Correntina, no oeste baiano, para conhecer a cultura das carpideiras, as mulheres que são contratadas para realizar o lamento em cerimônias fúnebres de pessoas que não conheciam necessariamente.Uma prática de culturas milenares como Egito, China e Índia, trazida ao Brasil pelos portugueses e que toca pessoalmente ao artista. Em sua cidade natal, Óbidos, sua mãe cantava para a performance de carpideiras.No mundo dos vivos, ou dos que lutam pela sobrevivência da humanidade, Francisco decidiu se engajar na luta pela preservação do meio ambiente, em especial da Floresta Amazônica, seu território de origem.Um trabalho que começou a se desenhar em 2015, quando o artista levou um grupo de alemães para conhecer sua terra natal e se deu conta de que as árvores castanheiras de sua infância tinham desaparecido e cedido espaço ao concreto. “Ali surgiu a ideia de trabalhar com a morte das castanheiras, mas também a questão dos sem-terra”, destaca o artista visual paraense.Francisco aponta que tanto o colonialismo histórico quanto o contemporâneo têm como base a exploração do solo e a busca de minérios. “Quando os espanhóis chegaram ao Peru, a primeira coisa que fizeram foi roubar o ouro. Aqui, quando chegaram os bandeirantes e descobriram ouro entraram com toda violência. No neocolonialismo, com os Estados Unidos, todas as guerras no mundo árabe são por causa do petróleo”, aponta Francisco, que cita as terras raras da Groenlândia como motivo da cobiça neocolonialista dos Estados Unidos sobre esse território.Internamente, o artista ainda sublinha a crescente presença de fazendeiros do sul do país no leste do seu estado, a quem ele chama de “paraúchos”, que derrubam florestas para exploração do solo e do subsolo, e a histórica cobiça sobre os territórios ianomâmis na região de fronteira com a Venezuela.”Os ianomâmis sofreram com os garimpeiros no passado, sofreram com as doenças durante o Governo Bolsonaro e tiveram suas terras invadidas”, afirma.Ellen, por sua vez, acrescenta um fator que também motivaria a ofensiva global da extrema-direita. “Eu penso no momento atual como uma onda tentando derrubar o movimento que houve nos últimos anos, como o crescimento do Fridays for Future, e o despertar de uma consciência ligada ao meio ambiente”, afirma a ativista, citando a rara conexão de militantes ambientais europeus com grupos equivalentes em outros continentes. “Houve uma pressão que mostrou como o capitalismo é um agente de destruição da natureza”, declara Ellen.O que está acontecendoComo explicita o arquiteto e artista visual Roberto Uribe, a arte não tem poder intervencionista algum e não vai mudar a agenda política mundial, mas tem a virtude de ressaltar, por exemplo, como a crise climática e o colonialismo estão interligados. “A arte tem o poder de mostrar às pessoas o que está acontecendo ou o que tem acontecido por um tempo”, enfatiza o artista.No que diz respeito às políticas em voga no mundo atual, Uribe evoca o passado. “A história das Américas é uma história de mudanças climáticas, de exploração de recursos naturais e de pessoas”, declara o artista e arquiteto. Nesse sentido, o colombiano, diz enxergar a sua presença na Bahia como uma espécie de laboratório e cita uma declaração da residente paulista.”Ellen levantou uma questão muito boa que é como a comunidade local superou a opressão e pegou o caminho do autoconhecimento. É um bom laboratório para ver como as coisas podem funcionar de outra maneira”, declara o arquiteto, que viu em Salvador traços arquitetônicos que remetem a Cartagena, cidade da costa caribenha de seu país, fundada pelos espanhóis 16 anos antes da primeira capital do Brasil.Ele reparou nas características do passado e do presente. “Estou impressionado com os sinais de história e de uma cidade jovem também, afirma Uribe, arquiteto e designer que foi consultor externo do primeiro Plano de Ordenamento Territorial de Bogotá.E essa noção entre os dilemas presentes e a preservação do passado de um lugar é vista por Uribe como parte das narrativas existentes no Norte Global e no Sul Global. “Assim como se fala em preservação dos centros antigos, fala-se também da preservação da Amazônia, mas às vezes sob a perspectiva colonialista”, afirma o artista, pontuando que desafios como as mudanças climáticas são ignorados por pessoas como Donald Trump e Elon Musk porque eles não são diretamente atingidos.”Os europeus estão mais atentos porque são afetados. Mas isso é uma questão que afeta comunidades em todo o mundo”, afirma o arquiteto. Sobre o momento atual da humanidade, o colombiano tem sua própria visão: “A história se repete e o Norte Global não olhou adequadamente para a história”.A cambojana Sreymao não se sente muito à vontade para discutir os discursos de Trump e centra a sua fala no seu trabalho, o projeto The Breath, que aponta para uma performance em vídeo explorando a conexão entre a paisagem natural, particularmente o som dos campos de sal marinho, e o impacto do desenvolvimento.O projeto teve início na província de Kampot, uma das regiões costeiras do Camboja, onde a artista começou a experimentar essas ideias. “Como a Bahia também é uma região costeira, semelhante àquela onde The Breath foi desenvolvido pela primeira vez, acredito que este projeto oferecerá muitas lições e histórias”, declara Sreymao.A artista acredita que terá a oportunidade de explorar como o desenvolvimento está moldando as vidas e as paisagens das comunidades em ambas as regiões com base no sopro do mar, e refletir sobre o assunto.O programa da residência artística Vila Sul, do Goethe Institut Salvador, seleciona os seus convidados pedindo recomendações de nomes a especialistas internacionais nos temas propostos pelo instituto.”Perguntamos por pessoas que pudessem estar interessadas em se candidatar e que já estivessem trabalhando em tópicos como sustentabilidade e questões ambientais”, afirma a diretora do Goethe Institut Salvador, Friederike Möschel, ressaltando que a presença no grupo atual de três artistas que moram na Alemanha foi uma coincidência.A residência Vila Sul foi criada em 2016 e, atualmente, o programa cumpre um ciclo de três anos chamado Repensando o Sul, em parceria com a fundação independente alemã KFW Sriftung. Um dos objetivos da residência é a promoção de encontros dos residentes com artistas locais para falar sobre assuntos que interessam a todo o planeta.”Agora mesmo, nós estamos vivendo em um mundo muito estranho, com muita luta pelo poder, um brigando contra o outro. É um tempo em que devemos mostrar solidariedade e falar sobre o que nos une e não destacar sempre o quão diferente nós somos”, declara Friederike Möschel, destacando a importância da solidariedade global em temas como mudanças climáticas, agenda ambiental e direitos humanos.
O que nos une: artistas refletem sobre questões ambientais
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