Bolsonaro agora é réu: reação ou exagero?

 
Cientista político Carlos Pereira:
 

“Tem se tornado cada vez mais comum a crítica de que a Suprema Corte brasileira estaria atuando de forma desproporcional, especialmente nas decisões relacionadas aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Para muitos, as penas aplicadas aos envolidos ultrapassariam os limites do razoável, alimentando a narrativa de que o STF estaria extrapolando suas competências e assumindo um protagonismo político indesejado.

Essa percepção não está restrita apenas a um nicho ideológico de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ganha eco entre parlamentares e parcelas do eleitorado, ao ponto de se intensificarem apelos por uma Corte mais comedida e menos ativa e de anistia para os condenados.

Mas é preciso observar esse fenômeno dentro de um contexto mais amplo. Em democracias ameaçadas por líderes de viés autocrático, Supremas Cortes têm sido vistas — dentro e fora do Brasil — como uma das últimas linhas de defesa institucional. Juízes, nesses cenários, não apenas julgam: são chamados a proteger o próprio sistema democrático e a operar como mecanismos de contenção frente a potenciais avanços de iliberalismo.

No caso brasileiro, esse papel defensivo ganha contornos ainda mais delicados. Como esperar ponderação, moderação e frieza de uma instituição que se viu, ela própria, no centro dos ataques?

Não apenas a Corte como instituição foi alvo — seus ministros também foram diretamente ameaçados. Alguns sofreram intimidações físicas, foram alvos de campanhas de desinformação e até de planos de atentado. Há registros de ameaças de sequestro e assassinato, revelados por investigações da Polícia Federal. Mais do que ataques simbólicos ou ameaças retóricas, foram agressões concretas à integridade tanto pessoal de seus integrantes como do próprio prédio do Supremo Tribunal Federal.

Além disso, o então presidente da República — hoje réu por crimes como tentativa de golpe de Estado e organização criminosa — flertou com iniciativas de impeachment de ministros e incentivou a deslegitimação da Corte.

 

Não se trata aqui de relativizar eventuais excessos ou de blindar o STF de críticas legítimas. O que se propõe é compreender que reações duras, ainda que debatíveis, podem ser expressão de um estado de alerta institucional. A resposta da Corte — por vezes interpretada como desmedida — pode, na verdade, refletir o sentimento de vulnerabilidade diante de ameaças reais e sem precedentes.

Democracias fortes exigem instituições sólidas — mas também empatia histórica para entender seus movimentos em contextos de ataque. Talvez não seja a dureza do Supremo o problema, mas sim o que a motivou. Mas, por outro lado, a dosagem entre a aplicação fria da lei e reações emocionadas a agressões é um desafio até mesmo para ministros da Suprema Corte.”

 
 
 
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