Gado rastreável: pecuária sustentável é a norma

No coração do semiárido baiano, onde o gado pasta sob um sol inclemente, uma revolução tecnológica transforma a pecuária com precisão. A Bahia, terceiro maior exportador agrícola do Nordeste, avança na integração entre tradição e inovação, usando tecnologia para aliar produtividade à preservação do bioma. “A digitalização não é uma opção, mas uma necessidade para atender demandas globais por segurança alimentar e sustentabilidade”, afirma o secretário da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri), Wallison Oliveira (Tum).Nas fazendas de leite do Oeste baiano, robôs de ordenha monitoram vazões e qualidade do produto em tempo real, enquanto raspadores automáticos mantêm estábulos limpos. Sensores implantados em brincos eletrônicos detectam sinais de doenças antes mesmo de sintomas aparecerem. “A pesagem eletrônica permite ajustar a alimentação de cada animal, elevando a eficiência em 20%”, explica Tum. Essas ferramentas, antes restritas a países de agro avançado, começam a ganhar escala em propriedades médias, impulsionadas por linhas de crédito específicas.É nesse cenário que as empresas locais investem em tecnologia para crescer ainda mais. De acordo com o gerente da Cene Agro, localizada em Juazeiro, Eduardo Medeiros, o que se destaca na pecuária baiana é o setor de produção de silagem de alta qualidade, feno, genética de gado Sindi e confinamento de bovino e ovino. Na empresa, Medeiros conta que já usam a agricultura irrigada via pivô automatizado e sistema de colheita de feno e silagem mecanizada.“Temos também tecnologias com drone para agricultura, manejos de precisão, software de gestão e outros que otimizam os processos, tornando-os eficientes e precisos, além de aumentar a produtividade e reduzir de custos. Em cinco anos, seremos o maior produtor de feno e boi de corte do Nordeste”, revela Eduardo Medeiros.Mas não são apenas as empresas que se valem da tecnologia para aperfeiçoar os processos. A Agência de Defesa Agropecuária (Adab) incorporou drones como aliados estratégicos. Equipados com câmeras térmicas, os veículos aéreos mapeiam desmatamentos ilegais, monitoram nascentes e inspecionam abatedouros em regiões remotas. “A tecnologia reduz o tempo de vistoria de dias para horas, além de minimizar riscos aos fiscais”, destaca Tum.Segundo ele, recentemente, os drones passaram a auxiliar na inspeção final de novos empreendimentos, garantindo que cumpram normas sanitárias antes de entrarem na lista de exportadores.Se por um lado grandes propriedades adotam sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) com auxílio de big data, por outro, 62% dos produtores baianos são de pequena escala, muitos ainda à margem da transformação digital. “Acesso limitado à internet e custos elevados são barreiras”, reconhece o titular da Seagri. Parcerias entre startups, cooperativas e o governo tentam reverter o cenário: aplicativos como o AgroHelp conectam técnicos a produtores para orientar manejo integrado de pragas (MIP) via celular.Entre as diferentes modalidades do ILPF, a de maior impacto, segundo o pesquisador da Embrapa, José Henrique Rangel, e mais usada de forma generalizada nas diferentes regiões brasileiras é a integração Lavoura-Pecuária do milho com o pasto de braquiária, que oferece forragens aos rebanhos e contribui para estruturar o solo.“Especificamente para as áreas do SEALBA (Sergipe, Alagoas e Bahia), essa modalidade vem sendo usada de maneira crescente. Na Zona da Mata de Alagoas, Pernambuco e Paraíba, a consorciação milho/braquiária/eucalipto já é uma realidade na pecuária de corte que, no caso de Alagoas, em substituição à cultura da cana de açúcar. Nas bacias leiteiras de Sergipe, Alagoas e Pernambuco, as diversas modalidades do consorcio da Gliricidia sepium com milho, palma forrageira, sorgo e braquiarias tem se intensificado, principalmente entre os pequenos e médios criadores, que formam a grande maioria”, detalha.Segundo o pesquisador, no semiárido da Bahia, onde a pecuária enfrenta solos áridos e secas prolongadas, a já citada leguminosa de nome complexo – Gliricidia sepium – também está reescrevendo as regras da produção. Integrada a sistemas como Lavoura-Pecuária (ILP) e Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), a planta, resistente ao clima hostil, tornou-se aliada estratégica para produtores que buscam conciliar produtividade e preservação.Sustentabilidade e lucroNa região de Barreiras, propriedades combinam soja, capim e eucalipto em um mesmo espaço, triplicando a rentabilidade por hectare. “A ILPF reduz emissões de metano em 35% e sequestra carbono”, ressalta o secretário Tum. Já o sistema de plantio direto (SPD), adotado em 28% das lavouras, mantém a palhada no solo, diminuindo erosões e elevando produtividade em até 40%. “São tecnologias que nasceram no cerrado e agora se adaptam à caatinga”, complementa.Para o titular da Seagri, a chave está em equilibrar ganhos financeiros e preservação. “Não há sustentabilidade sem rentabilidade. Sistemas integrados geram emprego, protegem o solo e garantem margens competitivas”, pontua. Prova disso é o crescimento de 18% na exportação de carne baiana para a União Europeia em 2023, atrelado a certificações ambientais.Cargill: tradição e tecnologiaA Cargill escreve um capítulo inovador na pecuária nacional. Com 160 anos de história e a Nutron como marca de nutrição animal, a empresa lidera uma revolução tecnológica em suas fazendas, combinando drones, IA e gestão de dados para transformar a criação de bovinos em ciência exata.”A tecnologia não se resume ao que é mais moderno. Às vezes o ‘novo’ pode ser um simples aprimoramento no manejo de pastagens”, observa o coordenador técnico da Cargill/Nutron para bovinos de corte no Oeste, Diego Ferreira. Em fazendas parceiras, softwares como o Cargill CattleView – equipado com drones e IA – analisam o consumo de ração por curral e estimam o peso dos animais por meio de imagens diárias. “Um cocho fotografado às 6h pode redefinir a dieta das 18h”, exemplifica.Na região em que se concentram alguns dos maiores confinamentos do Nordeste, a Cargill implanta sistemas capazes de monitorar variáveis, como conversão alimentar e bem-estar animal, em tempo real. Sensores acoplados a cochos enviam alertas quando o consumo foge do padrão, enquanto algoritmos predizem ganho de peso sem balanças físicas. “São decisões baseadas em terabytes de dados, não em ‘achismos”, destaca. A estratégia rende frutos: propriedades assistidas pela Nutron reportam altas de até 15% em produtividade. Por trás das ferramentas digitais, há um trabalho meticuloso. Anualmente, o Laboratório da Cargill (Labtron) processa mais de 70 mil análises de solo, ração e nutrientes, customizando dietas para cada bioma baiano. “Não existe fórmula mágica universal. O que funciona no cerrado pode falhar no semiárido”, explica. Apesar dos avanços, Ferreira alerta para os modismos. “Redes sociais vendem milagres, mas cada fazenda é um ecossistema único. Investir em drones sem dominar o básico é como comprar um avião sem pilotos”.
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