HQ ‘As Confissões da Bahia em Quadrinhos’ é lançada nesta quarta-feira

Em algum momento do século 17, um poeta já descrevia Salvador da seguinte forma: “De dois ff se compõe / Esta cidade a meu ver, / Um furtar, outro foder”. Com o devido perdão para o termo chulo – em voga há tantos séculos, como se vê –, é de se imaginar que até Gregorio de Matos ficaria com as faces vermelhas diante dos relatos reais compilados por Alexey Dodsworth e Cristina Lasaitis na HQ As Confissões da Bahia em Quadrinhos.Com lançamento hoje, às 16h, no Museu Geológico da Bahia, o evento contará com as presenças de Alexey Dodsworth, doutor em filosofia e roteirista, Hugo Canuto (um dos ilustradores) e Luiz Mott (antropólogo, pesquisador e fundador do Grupo Gay da Bahia). Os três promoverão um bate-papo sobre a obra.Na HQ, acompanhamos a chegada à Bahia do padre visitador Heitor Furtado de Mendonça, enviado em 1591, pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa – muitas décadas antes de Gregório rabiscar seus versinhos. Missão do Padre Heitor: averiguar as notícias e boatos sobre o “comportamento pecaminoso” da população da colônia.

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Logo após se recuperar dos malefícios da terrível jornada que era a viagem entre os continentes naquela época, Heitor se põe a ouvir as confissões dos fiéis baianos. E ai de quem não contasse tudo o que fez – ou o que sabia do que os outros fizeram.Dodsworth e Lasaitis recolheram as Confissões no site oficial da Torre do Tombo, de Lisboa, e decidiram que aquilo dava samba para uma boa HQ. Partiram para uma residência artística no Instituto Sacatar, na Ilha de Itaparica, e lá, em parceria com outros dois artistas também em residência, delinearam a HQ.“No fim dos anos 90, tive a oportunidade de ler uma compilação das confissões da população baiana aos inquisidores. Essa compilação, organizada por Ronaldo Vainfas, me impressionou bastante, pois, até aquele momento, eu não fazia ideia de que tinha ocorrido uma atuação tão forte da Inquisição portuguesa na Bahia”, relata Alexey.“A riqueza de detalhes contida nos documentos era tamanha que eu imediatamente pensei: isso daria uma ótima série ou história em quadrinhos. Era algo visual demais para ficar apenas no universo das letras. O Sacatar selecionou meu grupo justamente pela proposta de quadrinizar os documentos inquisitoriais. Ao longo dos dois meses de residência artística, eu e Cristina Lasaitis desenvolvemos o roteiro completo. Kirnna Schaun e Hugo Canuto desenvolveram as primeiras páginas”, acrescenta o autor.Decidido, Alexey meio que já sabia quem faria o que na publicação. Um desenhista com bom domínio do P&B (Isaque Sagara) ficaria encarregado dos trechos do inquisidor, enquanto outros seis se encarregariam de ilustrar os relatos que este ouviu: “Quando inscrevi o projeto, já tinha os nomes dos outros três participantes, que eram pessoas com quem eu já tinha trabalhado em outros projetos ou que eu admirava pelos trabalhos. Hugo Canuto é bastante conhecido pelos sensacionais Contos dos Orixás, e me parecia a pessoa perfeita para ilustrar as histórias dos rituais indígenas. Cristina Lasaitis é formada em editoração, além de desenvolver um excelente trabalho de leitura crítica. E Kirnna Schaun, apesar de iniciante na arte dos quadrinhos, era alguém cujos traços me pareciam perfeitos para ilustrar a história de Felipa de Souza, a famosa lésbica processada e exilada pela Inquisição”, conta.“Os demais artistas foram convidados por mim ao fim de nossa residência artística no Sacatar. Todos eles são pessoas com quem já tinha trabalhado ou cujo trabalho eu admirava, caso de Roberta Cirne, famosa quadrinista pernambucana”, acrescenta.

|  Foto: Divulgação

Santidade de JaguaripeCompletamente explícitas – classificação indicativa de 18 anos, mesmo – algumas páginas de As Confissões da Bahia em Quadrinhos poderão chocar pessoas fracas do coração (ou talvez da cabeça). Carolices públicas à parte, os relatos são mais interessantes pelo que trazem de inédito (ou pouco conhecido do publico) do que pelas safadezas relatadas.“O primeiro relato, um dos mais chocantes, por detalhar as práticas homoeróticas de um padre, abre o romance gráfico por ser a primeira confissão a ser relatada ao inquisidor. Já o caso de Felipa de Souza, processada e exilada por seduzir outras mulheres, é amplamente conhecido por historiadores”, conta.“O mesmo digo do culto conhecido como Santidade de Jaguaripe. A história de um grupo de tupinambás que recriou o culto católico ao estilo deles e venerava uma entidade meio humana e meio onça é algo fascinante demais para passar batido. Os demais relatos selecionados foram escolhidos por serem engraçados. Engraçados hoje em dia, claro, porque pra quem foi perseguido naquela época, não houve graça nenhuma”, conclui.

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