Dependência de álcool: a luta de pacientes e familiares contra a doença que atinge mais de dois milhões de brasileiros


O Profissão Repórter desta terça-feira (18) mostrou os diferentes caminhos de enfrentamento, desde grupos de apoio religiosos até o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Edição de 18/03/2025
O Profissão Repórter desta terça-feira (18) acompanhou a luta de pacientes e familiares contra a dependência do álcool, que afeta mais de dois milhões de brasileiros. A reportagem mostrou os diferentes caminhos de enfrentamento dessa doença, desde grupos de apoio religiosos até o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Saiba mais abaixo.
‘Você enche a cara para preencher um vazio’
‘Você enche a cara para preencher vazio’, relata homem com dependência de álcool
A Pastoral da Sobriedade, criada pela Igreja Católica, oferece apoio a dependentes químicos e seus familiares. No Brasil, há mais de 800 grupos de ajuda como esse. O voluntário Nívio Gaspar conhece bem essa luta. Foram mais de 30 anos enfrentando o alcoolismo.
“Por eu ser ilustrador, foi muito difícil o período da abstinência porque eu tremia, eu trabalhava em agências de propaganda e cheguei a pagar um colega que trabalhava comigo para ele desenhar para mim porque eu não conseguia segurar pincel, lápis”, conta Nívio.
Luiz, que vive nas ruas, aceitou o convite para participar de um dos encontros. Na reunião, ele compartilhou a história dele com o grupo.
“Natal na rua, Páscoa, todo mundo em família e você na rua. Aí você não aguenta e enche a cara pra preencher aquele vazio no seu coração. E eu agradeço hoje que Deus está me dando uma nova oportunidade”, relata.
Drama das famílias
A rotina de atendimento para pacientes em tratamento contra dependência de álcool no CAPS
Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) oferecem atendimento gratuito pelo SUS. O Profissão Repórter acompanhou a rotina de uma dessas unidades, na zona sul de São Paulo. Lá, mais de 460 pessoas são atendidas por mês, sendo que 70% delas têm problemas com álcool. Veja no vídeo acima.
Apesar de enfrentar problemas com álcool há um tempo, esta foi a primeira vez que a família do Marcelo buscou ajuda. Recentemente, ele sofreu um acidente de moto após beber.
“Ele está sem aguentar andar, não está comendo direito. Eu penso que ele está com a abstinência querendo beber”, diz a mãe de Marcelo, Fátima Machado.
Mesmo com os pedidos da família, Marcelo se recusou a fazer o tratamento psicológico oferecido pelo CAPS.
“Ele não tem consciência desse processo do adoecimento. Para ele, como ele sempre foi funcional, ele não entende que ele tem um problema com álcool”, destaca a psicóloga, Pamela Vasconcellos.
O programa do CAPS também acolhe os familiares dos dependentes. O marido de uma esposa interrompeu o tratamento, mas ela segue fazendo o acompanhamento.
“Eu sempre tenho a esperança de que um dia ele vai pedir ajuda e eu vou ajudar. Ele é uma pessoa boa, ele não é uma pessoa má, mesmo estando bebendo”.
Programa do CAPS também acolhe os familiares dos dependentes
Reprodução/TV Globo
‘Ou você para ou você morre’
‘Ou você para ou você morre’: homem conta sobre dependência do álcool desde os 15 anos
Na periferia de São Paulo, o Projeto Vida, ligado a uma igreja evangélica, acolhe dependentes químicos. O coordenador do grupo, Rosemberg Nascimento, já foi viciado por 12 anos em álcool e cocaína e hoje trabalha para ajudar outras pessoas a se livrarem da dependência.
“Pessoas que chegam aqui sem perspectiva de vida nenhuma, família destruída, vida profissional””, diz.
Leonardo Martins, de 26 anos, é dependente de álcool desde os 15 anos. Essa foi a primeira vez que ele foi ao encontro. Leonardo estava acompanhado da esposa, que está gravida.
“Agora é correr atrás da mudança, cuidar da nossa filhinha”, afirma Leonardo.
A equipe reencontrou Leonado novamente um mês depois. Ele não estava mais frequentando o grupo de apoio a dependentes químicos da igreja. Mesmo fora da instituição, Leonardo tenta parar de beber por conta própria. Ele conta que teve uma crise epilepsia durante uma crise de abstinência e precisou ser internado.
“O médico me falou: ou você para ou você morre.”
O papel da religião na recuperação
Homem conta sobre luta de 41 anos contra alcoolismo
A professora Zila Sanches, da Escola Paulista de Medicina, estuda como diferentes religiões atuam no enfrentamento do alcoolismo.
“São dois pontos essenciais: é a coesão social, que eu chamo, então você passa a ter um novo grupo. É grupo que você conta, que você ligar de madrugada, que faz sentido para você e que te acolhe, o ser humano precisa disso, e o sentido da vida, porque essas pessoas passam a fazer diversas atividades voluntárias para ajudar outras e elas passam a se sentir importantes”, destaca a pesquisadora, Zila Sanches.
É o caso de Glauco Valério, que há 41 anos luta contra o alcoolismo. Após várias recaídas, ele está sóbrio há três anos.
“Tudo começou entre 8 anos e 10 anos, dentro de casa, festinhas de aniversário, meus tios, primos sempre beberam muito. E começou a iniciação, ‘ah, toma um golinho aqui e outro ali’ e isso foi potencializando. E aí para beber mais, eu procurava outras drogas. Apesar que eu sempre trabalhei, mas regado de muita mentira, manipulação, roubo, coisas que afetaram meu relacionamento principalmente com minha esposa e minha filha”, relata o gerente comercial.
A última recaída aconteceu quando Glauco já frequentava a igreja evangélica.
“Eu tinha realmente parado, tive um encontro com Jesus. Mas eu não busquei ajuda clínica, de um profissional, simplesmente achei que a espiritualidade iria me curar e não é bem assim. Faz parte, é essencial, mas precisa ter um acompanhamento clínico, psicólogo” , afirma.
Glauco também mudou a rotina e trocou as festas por encontros na Igreja Batista Água Branca. Ele frequenta os grupos de apoio Celebrando a Recuperação, um programa criado no início da década de 1990 em uma igreja dos Estados Unidos. Hoje, existem cerca de 300 grupos como este no Brasil.
“A religião pode ajudar essas pessoas não condenando, mas trazendo a verdade de que eles são amados, nesse lugar do amor é um lugar em que eu me abro” ressalta a líder do Celebrando a Recuperação, Roseni Welmerink.
Grupo de apoio Celebrando a Recuperação
Reprodução/TV Globo
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