Tempo Rei: a trajetória brilhante de Gilberto Gil em sua última turnê

Por causa da genial poesia melódica do mestre Gilberto Gil, José Miguel Wisnik, músico e compositor paulista, também se abaianou. Ele diz: ‘Foi Gilberto Gil que viu o sertão de Luiz Gonzaga virar praia e mar dentro de Caymmi… entre a praia e a serra eu nasci, das ondas e montanhas melodias aprendi, mas foi no seio da Bahia, meu primeiro eterno bem, na Bahia eu conheci, na Bahia eu disse amém, sou baiano também’.

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E é esse cantor e compositor baiano de 82 anos de idade, que inspira gerações desde sempre, consagrado na música popular brasileira a partir dos festivais da Record nos anos de 1960, senhor de canções e melodias memoráveis, que se despede das grandes turnês musicais, hoje, às 20h, na Casa de Apostas Arena Fonte Nova, com o show Tempo Rei.Com poucos ingressos ainda disponíveis para Salvador – primeira cidade a receber o show –, a apresentação, anunciada como a última turnê de Gil (nunca se sabe), passará por mais oito capitais brasileiras – Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Belém, Fortaleza e Recife – e também contará com datas nos Estados Unidos e na Europa.A letra de Tempo Rei traz um vago desejo de permanência e transformação. Não à toa, Gil elegeu esta canção para dar nome à turnê. Na verdade, ela é um grande presente para os fãs (espalhados por todo o País) do autor de Palco.O show pretende celebrar a ampla e magnífica obra musical do cantor e compositor baiano, trilha sonora que está enraizada na cultura do país, além de estar presente no DNA de cada brasileiro.Há tempos, Gil vem amadurecendo a ideia de não realizar mais turnês grandiosas. É uma reflexão que ele enxerga como natural e a decisão visa também diminuir a intensidade de sua agenda, sobretudo em função da exigência física necessária para essas apresentações de grandes proporções.Obviamente, ele quer continuar fazendo música, mas em outro ritmo. É como diz um trecho da letra de Tempo Rei: “transformai as velhas formas do viver”. No entanto, neste formato apoteótico de hoje, a turnê chega para festejar ao lado do público e da família 43 anos de música na estrada.Com direção artística de Rafael Dragaud, direção musical de Bem e José Gil (seus filhos), Tempo Reideve explorar toda a longa obra de Gil, que tem mais de seis décadas de carreira, mostrando os vários Gilbertos que conhecemos: cantor e compositor; tropicalista, preso pela ditadura militar e exilado em Londres, ministro da Cultura, imortal da Academia Brasileira de Letras, além de patriarca de uma extensa família musical.Fonte de inspiraçãoPara o professor, pesquisador e compositor soteropolitano Paulo Costa Lima, Gil e a cultura brasileira se abraçam, se entrelaçam por meio de um olhar abrangente, sem deixar de ser negro, baiano, brasileiro e cidadão do mundo.“Olha, a importância de Gilberto Gil para a cultura brasileira só pode ser respondida com a inversão dos termos, a importância da cultura brasileira para Gilberto Gil. E aí essa resposta abre um conjunto de avenidas mais significativas”, anuncia o professor.“Uma delas deveria ser dedicada ao Gil do reggae, o Gil que vai dialogar com Bob Marley, que vai apontar esses caminhos para a negritude baiana, né? O Gil do Filhos de Gandhi. Então aí tem duas obras maravilhosas para analisar. Vamos Fugir, feita com Liminha, e Filhos de Gandhi”, complementa Paulo.E arremata. “Mais uma avenida seria o Gil do forró, do xote, que dialoga com Gonzagão, com o Nordeste, com a ema que geme, o Gil das meninas nas janelas, o Gil de tanta coisa. Isso daria, certamente, uma outra avenida de exploração analítica e de reflexão sobre o impacto da cultura brasileira sobre Gil e o reflexo, a importância de Gil para a cultura brasileira”.Influenciada desde sempre pelo autor de Refazenda, a intérprete mineira/baiana Jussara Silveira garante que Gil é fonte de água pura.“Junto com Caetano e os tropicalistas formou e ainda forma gerações na música e na vida, e o tanto que ele nos ensinou me coloca no mundo tal como sou. A canção de Wisnik [citada no início da matéria] diz muito do que sinto, de como vejo o homem que Gil é e a importância dele para o Brasil”, afirma.Assim como Jussara, o cantor e compositor baiano Alexandre Leão reconhece que a importância de Gil para o País é imensa. “Além de protagonista, ele sempre esteve na vanguarda, apontando novas tendências, possibilidades e caminhos para uma música brasileira mais inserida e interativa com o cenário internacional, além de ser um dos grandes compositores da história da MPB, um violonista inovador e um cantor incrível. Gil é também um pensador, alguém que desde sempre entendeu a força da música, seu impacto e influência sobre a sociedade e nossa cultura”.Alexandre argumenta ainda que o compositor de Andar com Fé lhe influenciou incessantemente. “Sempre prestei atenção em tudo que Gil faz e diz, como quem segue um guru. É um dos caras que eu tentei (em vão) imitar no meu começo de carreira e que tem elementos muito visíveis no meu trabalho. Uma das maiores honras e alegrias da minha vida foi ter tido o privilégio de gravar e me apresentar ao lado dele, no álbum Para Gil e Caetano (2014)”.Ele lamenta o encerramento das turnês e afirma que “essa decisão tem que ser respeitada, mas não deixa de ser triste. Vamos ver se ela se confirma mesmo (risos)”, provoca Leão.Obra atemporalJá o cantor e compositor Paquito acata melhor a decisão de Gil. “Do ponto de vista prático, acho que uma grande turnê é uma coisa muito trabalhosa, né? Gil tá com idade avançada, então acho que do ponto de vista da saúde é bom dar uma parada nas turnês mesmo, mas quem diz isso é o próprio artista”.Fã confesso do tropicalista, Paquito constata como é impressionante a capacidade que Gil tem de ser único, sendo tão múltiplo. “É um harmonizador muito bom, um cantor muito bom, um compositor, um letrista, então ele é o mais municiado dos nossos compositores. E quando a gente o vê em ação, a gente quer ser aquilo também, né? Então, a minha influência é ambicionar alguma coisa do que eu vejo ali. Mas a lição que ele dá é a gente ser influenciado sem copiar, para a gente ser original também”.Radicado na capital paulista há muitos anos, o cantor e compositor baiano Péri, outro fã do autor de Domingo no Parque, diz que a dimensão da importância de Gil para a cultura brasileira é imensa, até porque o ex-ministro da Cultura transita com esplendor tanto na música quanto na poesia e na filosofia.“Sua obra é a tradução do nosso fazer e ser. Gil entende o Brasil em todas as suas camadas, nas suas plenitudes e contradições, e com isso nos leva para o próximo passo. Gil talvez seja, ou é com toda certeza, ao lado de João Gilberto, uma das minhas maiores influências artísticas. Seu violão é extraordinário. Passei minha vida querendo tocar igual a ele, mas só querendo”, comenta Péri.Quanto ao fato do nosso Buda Nagô estar encerrando as turnês musicais, Péri fecha com ele. “Gil está certo em reduzir o ritmo, ficar mais em casa, tocando e cantando para poucos, só na leveza, no perceptível. Esse negócio de turnê é muito chato”.E assim como todo mundo que consome a obra gilbertiana, a cantora e compositora Ana Paula Albuquerque também ratifica que Gilberto Gil é um dos mais importantes artistas da música popular brasileira.“Não apenas pela genialidade, mas pelo papel como pensador. Pela forma sofisticada como ele traduz em arte as raízes afro-brasileiras. Como ministro, fortaleceu muito a identidade cultural do Brasil no cenário mundial”, lembra Albuquerque.Com relação à decisão de encerrar as mega turnês, Ana Paula acha compreensível.“A gente vai sentir falta, mas tenho certeza que ele vai fazer umas apresentaçõezinhas por aí. Sua obra é atemporal, imortal”, conclui.Tempo Rei / Hoje, 20h / Arena Fonte Nova / Ingressos a partir de R$ 90

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