Carmin prepara peça sobre classe média inspirada em obra de Jessé Souza

Em “sistema de guerrilha”, como define a atriz Quitéria Kelly, o grupo de teatro Carmin prepara para este ano a estreia de uma nova peça, “Gente de Classe”, inspirada nas publicações do sociólogo potiguar Jessé de Souza.

“Gente de Classe” é a quinta peça original do Grupo Carmin e se inspira nas publicações recentes do sociólogo, em especial no livro “A Classe Média no Espelho”, para discutir a história da classe média brasileira dentro do gênero da ficção científica.

A distopia se passa em 2040, num condomínio de alto padrão em que mora uma família de classe média: a mãe, seus dois filhos de pais diferentes e a empregada. Não saem do condomínio pois lá tem tudo: de shopping a praia, de faculdade a supermercado. Do lado de fora, no entanto, circula um estranho vírus e uma onda de revoltas. Do lado de dentro, permeia o medo e a segurança 24h. Chega uma hora, contudo, que o muro começa a ruir e os dois lados têm a possibilidade de se juntar.

Para Quitéria Kelly, fundadora do Grupo Carmin e nome recente da teledramaturgia da Globo — participou das novelas Renascer, Mar do Sertão, Malhação, Um Lugar ao Sol e da série Onde Nascem os Fortes —, esse é um momento importante para falar sobre a classe média. Ela fala dos desafios que o país vem enfrentando com relação à democracia, cita os movimentos de extrema-direita e reconhece: a democracia não é para todo mundo.

“A noção de democracia, por exemplo, é algo muito próprio da classe média. Porque o pobre, pobre, pobre, a pessoa ferrada que está ali, a mãe que tem um filho que leva um tiro numa favela do Rio de Janeiro, que não consegue nem tirar o corpo do filho dali para ser atendido, porque a polícia não deixa tirar, não tem uma UPA perto, não tem nada… Essa mulher não está sendo beneficiada pela democracia. Democracia não chega até ela. Bem como os ultra ricos, os mega bilionários brasileiros, também não estão nem aí para a democracia, porque eles podem comprar, mudar a lei, fazer o que quiserem. Então, a noção de democracia é algo próprio da classe média. A gente que está aqui nesse limbo, transitando entre achar que é rico e viver cheio de parcelas”, afirma.

É nessa ferida que o Carmin quer tocar, mas com o humor e a ironia que marcaram o grupo em outros trabalhos. Antes de Gente de Classe, vieram Pobres de Marré, Jacy, A Invenção do Nordeste e Por Que Paris?.

Foto: cedida

“A gente briga por sustentar um status, viver com medo o tempo todo, morar em condomínios achando que isso é mostrar riqueza. Então a gente aborda isso falando dessa fisiologia, dessa camada social do Brasil, de uma forma divertida, que é uma característica do Grupo Carmin, trazendo o riso, trazendo a ironia, trazendo os dados históricos que a gente bebe nos livros de Jessé Souza, que a gente fica apaixonado pelas obras Elite do Atraso, Classe Média no Espelho, Ralé Brasileira, e a gente descobre ali um pouco do que é, como é que a classe média surge e como a classe média no Brasil é tão particular, tão diferente das classes médias em outras regiões do mundo, como na Europa, como na América do Norte”, aponta Quitéria Kelly.

O vírus e a “bruxaria do teatro”

O vírus que ronda por fora do condomínio da classe média é o M-Lip (Movimento de Libertação Ira do Povo). Mas não pense que tem algo a ver com a Covid-19. Gente de Classe começou a ser desenvolvida em 2018, antes mesmo da pandemia que assolou o planeta. Para Quitéria, uma coincidência que mais parece “bruxaria do teatro”, brinca a atriz.

“A gente tinha pensado num vírus que contaminava todas as redes digitais, virtuais do condomínio e meio que hackeava todo o sistema e criava uma revolução. Aí, a bruxaria do teatro, isso sempre acontece. A gente falando de vírus, vírus, vírus, vem uma pandemia e faz o que fez no nosso planeta, e a gente fica chocado”, conta a artista.

Passada a Covid, agora é a hora de problematizar a M-Lip dentro do espetáculo — um vírus muito próximo do ser humano, inclusive.

“Esse vírus somos nós aqui, proletários achando que somos classe média, trabalhando para rico, achando que somos ricos, produzindo e gerando riqueza para quem não trabalha, e dando anos e anos, horas e horas de nossa vida para manter um status mínimo, e brigando aqui entre a gente. Então, esse vírus vem para revolucionar meio que essa trama. A gente cria uma distopia que se passa em 2040, um futuro não tão distante, mas que está falando muito de hoje. Então, a gente faz esse casamento tratando o hoje como passado e falando de algo que vai acontecer mais lá pra frente”, revela Quitéria.

Ensaio aberto e “sistema de guerrilha”

O ensaio aberto de Gente de Classe vai ser realizado em 12 de março, às 18h, na Casa da Ribeira, em Natal. Apenas 50 ingressos serão disponibilizados. Para ter acesso, basta contribuir com um Pix a partir de R$50 (ou mais, se quiser) enviar o comprovante via Direct do Instagram (@teatrocarmin) e assim ter a confirmação do seu lugar. A chave Pix é o CNPJ: 10.883.241/0001-80.

Segundo Quitéria, o ensaio aberto é uma prática antiga do teatro, um momento de abrir o processo de criação para a plateia.

“Uma plateia pequena, para a gente poder ter a possibilidade de dialogar, discutir o tema, discutir a encenação junto com a plateia, ou seja, criando juntos. A gente vai apresentar o que a gente criou até agora, não está tudo pronto ainda, o figurino é provisório, algumas coisas de vídeo são provisórias, mas já temos a ideia da peça construída. Então a gente quer apresentar essa ideia para a plateia e discutir, ouvir críticas, elogios, indagações, enfim, pensar juntos esse tema”, comenta.

Foto: cedida

A previsão de estreia é para o período entre o final de maio e início de junho, mas o grupo busca formas de custear, já que ainda não há patrocínio garantido até o momento.

“O ideal é ter apoio do governo, da prefeitura, das instituições públicas, mas a gente não tem. E isso nos paralisa. E a gente entendeu que ficar esperando isso faz com que a gente atrase os nossos processos e morra por inanição. E o que a gente está tentando fazer é um sistema de guerrilha para não morrer nessa inanição. Então a gente vai fazer com figurino ou sem figurino, a gente vai fazer com vídeo ou sem vídeo, a gente vai fazer”, atesta a atriz.

E em meio à “guerrilha” teatral, o Carmin também vai convidar outros grupos que estão começando na capital potiguar para assistir aos ensaios antes do dia 12. Vai ser uma forma de incentivar a produção entre os diferentes grupos e mostrar que é possível subir ao palco mesmo com as dificuldades para apoio financeiro, criando uma rede de proteção entre os artistas do teatro. 

“Para dizer: ‘a gente está fazendo, a gente convida vocês para assistir o nosso processo e dar gás para quem está querendo fazer o seu’. Algo que falta na iniciativa pública, a gente está fazendo no nosso mundinho privado aqui desse grupo. Chamar os nossos pares para perto”, define Quitéria.

Logo depois do ensaio aberto em Natal, o Carmin prepara as malas e vai para São Paulo. É lá que vai acontecer o Festival FAROFA, do qual foram convidados e vão se apresentar nos dias 19 e 20 de março. O FAROFA acontece paralelo ao MITsp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo).

“Um luxo muito grande porque a gente está levando a nossa equipe de sete pessoas para passar dez dias lá assistindo os outros processos de criação de outros grupos do Brasil inteiro e mostrando o nosso”, conta Kelly.

Sinopse de Gente de Classe

2040: num condomínio de alto padrão, mora uma família de classe média: a mãe, seus dois filhos de pais diferentes e a empregada. Vivem como classe média, comem como classe média, brigam como classe média e fazem yoga como classe média. Não saem do condomínio pois lá tem tudo: de shopping a praia, de faculdade a supermercado. Do lado de fora, há um estranho vírus e uma onda de revoltas. Do lado de dentro, há o medo e a segurança 24h. Quando o muro começa a ruir, os dois lados tem a possibilidade de se juntar.

Serviço – Ensaio aberto do espetáculo Gente de Classe

Quando: 12 de março, às 18h

Onde: Casa da Ribeira (R. Frei Miguelinho, 52 – Ribeira, Natal)

Ingressos: para ter acesso, basta contribuir com um Pix a partir de R$50 (ou mais, se quiser), enviar o comprovante via Direct do Instagram (@teatrocarmin) e assim ter a confirmação do seu lugar. A chave do Pix é o CNPJ: 10.883.241/0001-80

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