Opinião: “O bem-vindo ocaso de Lula e Bolsonaro”

Do jornal “O Estado de São Paulo”:

 

“Há um sentimento de orfandade no ar diante do presente frágil e do futuro sombrio reservados aos dois principais líderes que, nos últimos anos, empurraram o Brasil ladeira abaixo de uma divisão nefasta. O presidente Lula da Silva e seu antecessor, Jair Bolsonaro, enfrentam, cada um a seu modo, um julgamento público que pode significar-lhes o ocaso – um calvário gerador de incômoda melancolia na larga faixa do eleitorado que tem se movido por uma mistura de paixões políticas e ódio às identidades adversárias.

Como se sabe, o demiurgo petista se vê às voltas com uma queda profunda de sua popularidade, expressão do descontentamento e da frustração da base que o elegeu, além da insatisfação já duradoura da chamada frente ampla que apostou nele por temor e rejeição ao adversário. Não bastasse a impopularidade, Lula enfrenta ainda um mal maior: a dificuldade crônica de renovar ideias e soluções para o País, fazendo do seu governo uma soma inquietante de velhos projetos para novos problemas.

Já o ex-capitão liberticida, que passou seus anos de mau militar, mau parlamentar e mau presidente insuflando ânimos golpistas, precisará lidar com o julgamento do Supremo Tribunal Federal, acusado que foi de ter cometido os crimes de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros delitos. Somadas, as penas podem passar dos 40 anos de prisão.

Dada a assimetria dos riscos impostos a ambos, não são julgamentos similares, mas seus efeitos, de certo modo, são. Para quem fez carreira dividindo o País entre ‘nós’ e ‘eles’, não há perspectiva pior do que a perda de força política e a crescente incapacidade de inspirar o presente e o futuro – é disso, afinal, que depende o poder. Pois Lula e Bolsonaro podem passar cada vez mais, isso sim, a representar o passado.

Bolsonaro já poderia ter sido expelido da política desde quando ultrapassou os limites do decoro e da decência ao envergonhar a instituição parlamentar. Poupado, entendeu que não precisava respeitar limite algum – nem legal, nem político, nem moral – e foi em cima dessa ideia que se lançou à Presidência, em 2018, como candidato ‘antissistema’. E assim gestou um governo conflituoso, irresponsável e desastroso.

Lula retornou ao poder vendendo a falácia de que poderia ser o artífice da reconciliação tão desejada pelos brasileiros, mas tem se mostrado incapaz de fazer jus à missão recebida. As contradições e fragilidades do terceiro mandato são o preço a pagar pelo pensamento envelhecido de um líder e de um partido que se opuseram aos esforços para a estabilização da economia nos anos 1990, hostilizaram todos os governos aos quais fizeram oposição e, uma vez no poder, produziram a mais grave crise política e econômica da história recente do País.

O infortúnio dos dois deve tornar mais difícil a vida das hostes de militantes, mas é uma ótima notícia para um país que perde muito quando seus dois maiores líderes não conhecem outra língua senão a do enfrentamento, estimulam o rancor contra aqueles que consideram seus inimigos e buscam, como populistas empedernidos que são, confundir-se com os mais legítimos interesses do povo.

Se ambos não se recuperarem da crise que os abate, resta saber o que virá a seguir. Otimistas apontam uma boa dose de esperança para o surgimento de novas lideranças – menos personalistas, mais democráticas e plurais, e sobretudo mais capazes de oferecer novas e melhores ideias para os problemas atuais e futuros. Céticos sugerem, ao contrário, que o vácuo de lideranças pode abrir espaço para aventureiros que apostam na antipolítica.

Este jornal acredita na chance de o País virar a página, embora alerte para os aventureiros à espreita. Eis um momento-chave para que o debate público no Brasil afinal deixe de ser intoxicado pelo ódio, que reduz a política ao confronto estéril entre duas visões atrasadas de mundo. Os tempos destrutivos e paralisantes protagonizados por Lula e Bolsonaro podem chegar ao fim, desde que seus eventuais herdeiros não sejam a continuidade do atraso.”

 

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