História das “tribos” carnavalescas em Natal tem cerca de um século

O desfile de tribos indígenas no carnaval passou a fazer parte da programação momesca há cerca de 100 anos e completa, junto às escolas de samba, o festejo na capital potiguar. Atualmente, o cortejo reúne representantes de alguns municípios, via seleção pública, com apoio da Prefeitura de Natal.

O pesquisador Valdemiro Severiano Filho estudou a história das tribos no carnaval natalense durante seu mestrado e descobriu duas histórias para o surgimento dessas agremiações. Segundo ele, a primeira versão, de fontes orais, diz que a primeira tribo teria sido “Os Potiguares”, de Augusto Brasil, no bairro Rocas, em Natal, com incentivo de Câmara Cascudo. Isso teria acontecido ainda no início da década de 1920. 

Já a segunda versão foi encontrada na imprensa e menciona tribos carnavalescas em 1934, com “Os Guaranys”, de “Seu Bumbum”, no também natalense bairro Alecrim. “As fontes escritas, a partir de 1934, passaram a veicular, todos os anos, referência a esta agremiação, ao passo que ‘Os Potiguares’ só foram mencionados a partir de 1943”, diz.

Um século de tradição no carnaval – Foto: arquivo pessoal/Miro Filho

De acordo com o pesquisador, o desfile já teve momentos de maior prestígio, quando recebia mais apoio dos prefeitos, mas resiste. “Houve um desprestígio nesta última década, quando as tribos carnavalescas deixaram de competir, realizando somente um cortejo, sendo destinado pouco tempo. O próprio poder público não incentiva a população a participar e assistir aos desfiles, o que é lastimável”, pontua. 

Segundo o doutor em Ciências Sociais, a atual configuração do carnaval prestigia os grandes palcos em detrimento da cultura popular, “que resiste na Ribeira, com baixo investimento, mas fazendo algo maravilhoso”.

Ainda conforme ele, o carnaval de Natal também perdeu foliões para outras cidades. “Mas estes guerreiros e guerreiras que fazem as tribos de índios carnavalescas e as escolas de samba continuam na resistência e trazendo uma coisa linda pra quem vai prestigiar”. 

A tribo Mobralino Mapabu, de São José de Mipibu, é uma das representantes que ainda estão ativas. Prestes a completar 65 anos, foi fundada por um grupo de alunos que estudavam na época do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), por isso o nome. Entre eles, estava José Gonçalo, que sugeriu o nome e mantém vivo o amor pelo carnaval.

Representantes da Mobralino Mapabu – Foto: arquivo pessoal/José Gonçalo

“Gosto do carnaval e gosto do futebol. Aí inventei uma quadrilha junina, ficou na história. Aí botei o nome da quadrilha: o arraiá Mobralino Mapabu, da mesma coisa que eu botei lá o nome dos índios. Faço isso porque gosto. Gosto mesmo de diversão, não bebo, não danço. Mas eu gosto de me divertir”, diz o presidente da Mobralino Mapabu. 

Estandarte da Mobralino Mapabu, em 2012 – Foto: arquivo pessoal/Miro Filho

Ele opina que o carnaval em São José de Mipibu, na Grande Natal, “acabou-se”. A tribo se apresenta em Natal há décadas. José não consegue precisar o ano. “Foi um bocado de anos já. Nem me lembro mais. Quando foi a Wilma [de Faria] que era governadora e foi prefeita. É para mais de vinte anos que a gente luta aí com o carnaval”, conta.

Outros tempos 

Inicialmente, segundo Miro Filho, as tribos desfilavam no cortejo oficial em Natal junto aos demais blocos. Em 1937, os Guaranys ganharam a Taça Rodo Metálico. Ao fim dos anos 1950, foi criado um troféu específico para as tribos carnavalescas, “provavelmente em virtude do grande apreço que [o então prefeito] Djalma Maranhão tinha pelas manifestações culturais da cidade”. 

Desfile acontece na Ribeira – Foto: arquivo pessoal/Miro Filho

“O desfile oficial em Natal já percorreu bastante a cidade”, explica. Começou na Tavares de Lyra, no início do século XX; passou pelas avenidas João Pessoa, Rio Branco, Presidente Bandeira e Prudente de Morais; e retornou à Ribeira, atualmente na Avenida Duque de Caxias. 

O pesquisador destaca que, em 2018, a Prefeitura de Natal levou as tribos para o Polo de Ponta Negra. Entretanto, as agremiações não gostaram e o evento ainda deu pouco público. 

Sobre o desfile de tribos, Miro, que é um entusiasta do carnaval natalense, acredita que este teve “como principal mudança o reconhecimento e a importância dados a estas agremiações, principalmente, quando o ente público decidiu que eles disputariam o campeonato entre elas, diferenciando dos demais blocos”. 

Anos 1950 representaram prestígio para as tribos – Foto: arquivo pessoal/Miro Filho

Djalma Maranhão, prefeito de Natal deposto do cargo pela ditadura militar, foi um dos principais apoiadores das tribos, assim como do folclore e das manifestações culturais. Segundo Miro, na década de 1950, Maranhão prestigiava as tribos. 

“Entre a primeira década e a primeira metade da década seguinte do século XXI, também podemos perceber uma estima por elas, quando havia 11 tribos de índios disputando o troféu de melhor agremiação. Penso que as décadas de 1940 e 1950 foram aquelas em que as tribos carnavalescas tiveram mais destaques. Em 1958, por exemplo, o então prefeito Djalma Maranhão, participou do ensaio geral da tribo Potiguares e, no dia seguinte, visitou a sede dos Guaranys. O carnaval natalense daquele ano foi considerado um dos três maiores do país”.

Mudanças e apoio à tradição

Conforme o pesquisador, os “Potiguares” estão entre os mais representativos dessa tradição de carnaval, presentes no desfile desde a década de 1940. “Hoje, embora [os Potiguares] não estejam em atividade, o nome de Raimundo Brasil é referência para a cultura popular natalense. A tribo Guaranys, que foi a primeira e perdurou por várias décadas. A Gaviões-Amarelo que, surgindo na década de 1980, resiste até hoje”, detalha.

Gaviões-Amarelo em desfile de 2014 – Foto: arquivo pessoal/Miro Filho

O professor de Sociologia no Instituto Federal do Rio Grande do Norte acredita que as tribos carnavalescas não recuperaram a grandiosidade de outros tempos. Ele cita como episódios de baixa o desfile no Polo de Ponta Negra, em 2018, e quando a disputa parou de existir entre as agremiações. As escolas de samba, por exemplo, ainda disputam.

Contudo, a cultura popular permanece viva, ele celebra: “Seja no desfile em si, seja no processo de confecção das fantasias e alegorias, afinal, é um trabalho artesanal fantástico […] O processo envolve criatividade e promove sociabilidades, pois constrói uma rede de relações que é, também, política e econômica, principalmente, uma economia informal, produzida, como diz Milton Santos, pelos ‘de baixo’, menos abastados, um povo muitas vezes carente e que movimenta a economia”.

Além disso, o pesquisador afirma que o apoio precisa melhorar. “Como fazer um desfile tão tradicional, como é das tribos de índios carnavalescas, com um subsídio de 10 mil reais? Sem falar que esse dinheiro, muitas vezes, não chega para a agremiação de imediato”.

“Espero que os desfiles nunca acabem”, diz pesquisador – Foto: arquivo pessoal/Miro Filho

“Eu espero que os desfiles nunca acabem, porém, que o investimento público – e privado também – corresponda ao que estas pessoas e famílias que fazem estas agremiações oferecem todos os anos para a população: um brilhante desfile. Quem sabe um dia possamos voltar ao top 3 do carnaval no Brasil?”, questiona. 

Miro Filho estudou as tribos carnavalescas no mestrado em Geografia, concluído em 2013 com o título “Carnaval de Natal/RN: espaço dos ‘índios’ no tempo da folia”. Ele se debruçou sobre o tema das escolas de samba em Natal durante o doutorado em Ciências Sociais, que concluiu em 2019, com o título “Poeta e tradutor de mundo: o compositor de samba-enredo no carnaval de Natal/RN”. Ambas as pós-graduações foram realizadas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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