A irreverência vai às ruas: Bloco das Kengas agita o domingo de carnaval (02)

O tradicional Bloco das Kengas completa 42 anos em 2025 e vai celebrar o carnaval em alto estilo no Centro Histórico de Natal, neste domingo (02). Com muita purpurina, os foliões se encontram a partir das 15h no Bardallo’s Comida & Arte, em Cidade Alta. Na concentração, haverá frevo com a Orquestra do Papão.

As Kengas surgiram em Natal em um momento de efervescência e mudanças políticas, dois anos antes do fim da ditadura militar. O bloco saiu pela primeira vez em 1983, em frente à  Broadway, uma boate gay pioneira na capital potiguar, na Rua Felipe Camarão. 

Desde então, conforme conta Lula Belmont, criador do bloco, todos os anos as Kengas fazem festa. Até na pandemia de covid-19 os foliões deram um jeito de comemorar de forma remota, com as lives. São 42 anos de história, reinvenções e agitação na cena cultural potiguar.

42 anos de história – Foto: reprodução/redes sociais

Belmont diz que, em 2025, o bloco está “recomeçando”. Neste ano, somente haverá atrações locais, ao contrário de outros carnavais que já reuniram grandes nomes do Brasil afora. Em 2020, a cantora drag queen Gloria Groove agitou um palco em Natal. Isso foi um mês antes de a pandemia estourar.

Às 16h30 deste domingo, o DJ Samir toca e é prosseguido pela Orquestra do Papão e pelo cantor Will. A drag Jarita Night And Day comanda o tradicional Desfile das Kengas às 18h, quando a Kenga 2025 será eleita, e o bloco homenageia a madrinha do ano, a produtora cultural, curadora e musicista Ana Morena. 

Em seguida, a Orquestra Greiosa toma conta do palco, com a participação especial de Felipe Cordeiro. A programação se encerra no palco com Potyguara Bardo e, em seguida, a artista lidera um cortejo até o Bardallo’s, onde acontece o after-party que promete ser animado, comandado por DJ Samir.

História do bloco

Ao conhecer a história do Bloco das Kengas, que surgiu na Natal dos anos 1980 por meio de um grupo de amigos, é possível conhecer um pouco sobre a história do carnaval potiguar e sobre o movimento LGBTQIAP+ em Natal (à época, conforme Belmont, a sigla era GLS – gays, lésbicas e simpatizantes). 

O grupo, composto por Lula Belmont, Whorton Teófolis, Rogério Leite, José Antônio Ortega e Ricardo Nelson, costumava passar carnavais no eixo Rio de Janeiro-Salvador-Olinda. “Resolvemos, após o surgimento da Banda Gália, engrossar esse caldo do carnaval natalense, que sempre teve uns altos e uns baixos”.

Cores no centro da cidade – Foto: reprodução/redes sociais

Conforme Belmont explica, Natal chegou a ter o terceiro maior carnaval do Brasil nos anos 1960, mas esse título não se sustentou por muito tempo, e a capital viu muitas mudanças no seu tradicional festejo. Além da Banga Gália, diversos blocos e troças carnavalescas surgiram. 

Com o bordão “Todo Coco Vira Kenga”, as Kengas seguiu o fluxo e resistiu até hoje, enquanto viu blocos sumindo e pessoas deixando de curtir o carnaval nas ruas da capital do Rio Grande do Norte. Nos anos de 1970, Pernambuco celebrizou o frevo e atraiu foliões, por exemplo.

Bloco leva milhares de foliões às ruas – Foto: reprodução/redes sociais

O bloco das Kengas começou na boate gay com extravagância e com homens fantasiados como mulheres, logo quando o Brasil saía da ditadura. “A gente surgiu com esse bloco onde a irreverência e as questões políticas eram resolvidas dentro do próprio carnaval. E o carnaval sempre teve isso, essa questão de que ele age no silêncio da brincadeira, mas com coisas sérias”, frisa Lula Belmont. 

Os anos 1980 viram uma repressão aos homens gays pelo estigma criado a partir da então “doença de Aids”, que hoje é entendida como decorrente da infecção pelo vírus HIV. E esta foi uma das principais pautas debatidas em boates gays de Natal, como a Vice-Versa, que também faz parte da história das Kengas.

“Naquela época, nos anos 80, 83, quando surgiu a Aids, que rotulava pra cima dos homossexuais, a gente foi à luta. Na época, em 84, já tinha outra boate que se chamava Vice-Versa, onde a gente fazia debates com o médico lá em cima, em plena madrugada, para discutir sobre a doença”, diz Belmont.

Segundo ele, a proposta do bloco das Kengas era de que as pessoas se vestissem de forma caricata e com certo deboche. A irreverência conquistou até a imprensa local, que foi uma propulsora das Kengas. Atualmente, o público é expressivo e conta com milhares de pessoas de Natal e de fora.

Show de Dodora Cardoso no Desfile das Kengas em 2015 – Foto: Franklin Levy

Uma das atualizações do bloco está em atrair os jovens com gêneros e artistas mais contemporâneos, como a já citada Gloria Groove. Além disso, madrinhas e padrinhos como Alcione, Alceu Valença, Sidney Magal, Zezé Motta e Tânia Alves atraem foliões.

Hoje, o bloco funciona como uma empresa, com funcionários da própria produção, além de receber apoio de leis de incentivo. “Lá no fundo, torna-se um grande espetáculo de teatro de rua, por ser um bloco aberto”.

“E a gente [segue] resistindo. Uma resistência realmente por gostar de carnaval, e a gente sabe que a cidade gosta de carnaval. Se você tem uma boa programação, a cidade fica”, diz. “Natal é muito orquestra. Natal é muito de frevo mesmo, de carnaval de rua mesmo. Natal tem muito isso”.

Quem é Lula Belmont? 

Lula Belmont, 69 anos “com cara de 18”, como se descreve, teve diversas ocupações ao longo da vida, sendo a mais longeva àquela referente ao Bloco das Kengas. Mais longeva até do que seu período como professor estadual (33 anos), de onde é aposentado.

Ensinou Arte, cursou Matemática e não concluiu, e entrou no ramo das festas ainda cedo. Belmont foi garçom da Broadway quando ainda era estudante. Para ter dinheiro para sair, este era seu cargo “freelance”. Depois, virou dono, mas ganhava mais com as gorjetas de garçom do que como proprietário. Só durou dois anos à frente da Broadway.

Belmont será homenageado por escola de samba em 2025 – Foto: reprodução/redes sociais

Passou oito anos à frente da Vice-Versa (1984-1992). Entre as razões para sair, estava o cansaço de uma rotina muito puxada. Hoje, é produtor cultural e possui o Bardallo’s Comida & Arte, que completa duas décadas de existência em 2025.

Natural de Serra de São Bento, ele ainda foi jogador de voleibol, ex-atleta da Seleção do RN. Em 1987, Lula produziu um espetáculo premiado Brasil afora, “A Missão”, e tem um portfólio de cerca de 70 produções locais, tanto na área musical quanto na área de teatro.

Ele fez oficinas de teatro e acredita que a arte traz uma abertura para enfrentar o preconceito. “Porque o preconceito sempre vai existir. Você tem que ir à luta mesmo e enfrentar”. 

Neste ano, ele está sendo homenageado pela escola de samba União do Samba, do grupo de acesso, formada no bairro Pajuçara. O tema da agremiação é “De Serra de São Bento ao Estrelato em Natal – Lula Belmont”.

Desfile das Kengas
🕓 HORÁRIO | 02 de março, a partir das 15h
📍 PALCO | Praça 7 de Setembro, em frente ao Palácio da Cultura
📍CONCENTRAÇÃO | Bardallo’s Comida & Arte – R. Gonçalves Lêdo, 678 – Cidade Alta
Acesso gratuito

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