Fábio Alemão abre o jogo: trajetória, inspiração no pai e prazo para retornar aos gramados

Poucos nomes fizeram tanto pelo Clube de Regatas Brasil (CRB) nos últimos anos como Fábio Alemão. A trajetória dentro de campo, incluindo conquistas e campanhas memoráveis, é apenas parte da contribuição do defensor. Fora das quatro linhas, a postura exemplar conquistou a torcida desde a chegada no clube, em dezembro de 2022.

Os elogios pelas atuações seguras e que reservaram ao atleta a vaga de titular absoluto no Regatas não escondem a jornada pela qual passou Alemão até aqui. Aos 28 anos, a história do zagueiro poderia ser marcada pelo clichê “nunca foi fácil”, mas, para aquele que nasceu para jogar futebol, cada etapa é celebrada com o sorriso no rosto — com isso, tem sido até mais especial.

Para conhecer o defensor, é preciso voltar ao passado. Mais especificamente, às terras gaúchas. Nos campinhos de Três Passos (RS), não foi como jogador que o pequeno Alemão iniciou, e sim como torcedor de uma figura especial para sua vida: o próprio pai, jogador de futebol amador. 

A partir daí, o zagueiro seguiu os passos de todo moleque que sonha em ser atleta profissional. Não existia horário e nem impeditivo. O que o motivava era estar com a bola nos pés. 

Eu acho que o sonho de toda criança é ser jogador de futebol profissional. Eu vim de uma cidade pequena, no interior, afastada de Porto Alegre (RS). E meu pai sempre jogou muito futebol amador. Então, eu o acompanhava desde pequeno e torcia muito. Foi um sonho de criança. Eu até brinco que, quando eu era criança, não lembro de nada. Eu só queria jogar futebol. Jogava de manhã, tarde e noite, se conseguisse.

 

O início da carreira — com títulos

A trajetória em busca do sonho de ser atleta profissional iniciou como manda o roteiro: através de peneira. Alemão, então, foi até Ernestina — cidade a 235,1 km de sua cidade natal — e logo foi aprovado em um time de menor expressão da região.

As coisas começaram a mudar quando enfrentou o Juventude. O bom desempenho fez o Papo despertar o interesse em contar com o jogador. E assim aconteceu. Por lá, foram três temporadas na base do Alviverde, onde chegou a ser treinado por Tiago Nunes, campeão da Sul-Americana e da Copa do Brasil pelo Athletico-PR.

— Passei três anos e meio na base do Juventude. Eu tive uma boa base ali, em questão de técnica. A gente fez um ótimo Campeonato Gaúcho, fomos para a final e acabamos perdendo justamente para o Internacional. 

Divulgação / Juventude

 

Apesar do vice-campeonato, Fábio Alemão teve motivos para comemorar. Isso porque o Colorado gostou do que viu do defensor em campo e o contratou. 

— Nisso, eu já estava com quase 19 anos e chamei atenção. Aí fui negociado para o Inter, onde fiquei mais quatro anos.

Foi no Internacional que o zagueiro viveu, pela primeira vez, a sensação de ser campeão. Em 2017, o país do futebol estreava o Brasileiro de Aspirantes — torneio de jogadores com até 23 anos. 

À frente da equipe como capitão, Fábio Alemão levantou a taça na final após o time segurar o empate contra o Santos, por 1 a 1, na Vila Belmiro. No jogo de ida, o Colorado venceu por 3 a 1.

Chamou atenção. Até porque era a volta dos Aspirantes. Então, a maioria dos clubes grandes entrou. Foi um campeonato muito forte e disputado, mas, graças a Deus, a gente acabou sendo campeão após ganhar do Santos dentro da Vila Belmiro. Foi algo diferente e especial que eu me lembro com muita gratidão por ter vivenciado isso.

Lucas Figueiredo / CBF

 

Hora de cruzar o país

No ano seguinte, o Internacional decide emprestar o jogador ao Paysandu, que disputava a Série B, como forma de dar à promessa mais experiência. 

Até então, Alemão só havia jogado no Sul do país e, longe de casa, precisou de coragem para dar os primeiros passos como profissional.

— Fui com a minha esposa [para o Paysandu]. A gente foi na reta final, no último período de inscrição para a Série B. Só que quando cheguei no Paysandu, eu tive uma pequena lesão e fiquei 15 dias fora e acabei não jogando muito.

Jorge Luiz / Paysandu

 

Apesar de ter pouco tempo com a camisa do Papão, o zagueiro conta que ficou feliz após conseguir fazer a transição da base para o profissional.

Eu estava com os olhos brilhando, com aquela coisa: “Consegui”. Porque a gente, na base, sempre tem essa dúvida de se [vai conseguir] profissionalizar. Para alguns, na transição, são rápidos e conseguem com 16/17 anos. Mas, no meu caso, já estava com 23. Foi uma experiência esportiva não tão boa, mas pessoalmente foi muito legal e interessante.

 

Campeão em cima do rival e rodagem maior

Após o término do empréstimo, Alemão voltou ao Internacional e ganhou o segundo Brasileiro de Aspirantes. Desta vez, em cima do maior rival do Colorado, o Grêmio.

No caminho até a decisão, o Time do Povo encarou o Bahia, pela semifinal. E, mais uma vez, o zagueiro conseguiu encantar o adeversário — com quem acertou para jogar em 2020.

Naquele ano, Alemão chegou para integrar o chamado time de Transição do Tricolor, ou sub-23, que contava também com atletas com mais experiência. A ideia era aumentar a preparação do grupo principal, que tinha um calendário cheio, e analisar os jovens jogadores de mais perto no Campeonato Baiano.

Felipe Oliveira / EC Bahia

 

Com a pandemia, no entanto, o futebol parou e precisou de um longo período até os estágios recebessem a capacidade máxima novamente. Com o corte brusco de arrecadação, o Bahia deu fim ao time B e alguns atletas deixaram o clube. Entre eles, Alemão. 

A ideia do Bahia era nós terminarmos o Baiano para, daí, integrar alguns atletas. A gente fazia um baita campeonato, mas aí veio a pandemia. Tiveram quedas de receita, e o Bahia teve que tirar o nosso time.

Depois que deixou o Bahia, Alemão voltou para o Rio Grande do Sul para defender as cores do Pelotas. Por lá, foram apenas quatro meses, já que o clube acabou não se classificando na Série D.

“Deus virou a chave”

De forma inesperada, o roteiro da carreira de Alemão começa a mudar. Um dia após cair com o Pelotas, o zagueiro foi procurado pelo Operário. E foi lá onde conseguiu, pela primeira vez, a vaga de titular absoluto. 

Para o defensor, a situação foi um “milagre de Deus”.

Creio que foi aí que Deus virou a chave. Fui para o Operário como um milagre de Deus, porque foi logo um dia depois que a gente [Pelotas] acabou caindo fora da Série D. Então, eu creio que foi aí que Deus desconstruiu tudo que eu imaginava e começou a construir da forma que ele tinha. 

A fase pelo Alvinegro era tão boa que ele brinca que jogava em uma posição diferente a cada jogo.

—  Até o Operário, eu nunca tinha a titularidade absoluta. Foi algo novo, mas não algo do dia para a noite, sabe? Foi algo construído. Graças a Deus, eu vinha com rendimentos muito bons. Eu brinco que eu estava em um momento tão bom que a cada jogo jogava em um posição. Era zagueiro, no outro lateral, no outro volante. Dependia do que o treinador precisava. Eu como eu procuro estudar as outras posições, acabou facilitando — disse, e continuou.

Foi aí que Deus me colocou nesse cenário nacional, de poder jogar. Tive números muito bons. Creio que foi uma virada de chave.

Passagem curta no Leão e saída confusa

O bom momento do jogador não passou despercebido pelo Sport, que anunciou a contratação do zagueiro para temporada de 2022. A vida por lá, no entanto, não foi fácil. 

Recém-rebaixado para a Série B, o Leão mudou a direção e só manteve os jogadores que tinham alguma história dentro do clube. Na zaga, Sabino e Thyere fizeram uma dupla muito forte e pouco deram chances a Alemão.

Teve problemas de presidente três meses antes. Nessa chegada, o elenco ainda estava sendo formado. Então, foi um ano bem tumbulento. Aí, já começa logo a pressão da torcida. Time não consegue marcar, não tem confiança. Na zaga, Thyere e Sabino eram muito regulares. Então, a sequência que não tive foi mais porque eles estavam em alto nível, do que propriamente devido as oportunidades.

Anderson Stevens / Sport

 

E a saída do atleta foi confusa. Ao fim da temporada, Alemão contava com a permanência para o ano seguinte. Com a troca no departamento de futebol, ele foi comunicado, nas férias, que não teria o contrato renovado.

— Até então, era para mim ficar. Depois, nas férias, fui informado que não iria. Foi algo que não entendemos direito como foi.

O zagueiro disse que não procura justificar e encontra na fé a calma que precisa em meio a processos como esse.

Eu creio que foi tudo dentro de um propósitos de Deus, foi um tempo de amadurecimento. Muitas vezes, a gente procura entender porque a gente passa por fases na nossa vida. Mas tudo é no aprendizado.

Chegada no CRB e melhor fase da carreira 

Antes mesmo de assinar com o CRB, Fábio Alemão ja havia recebido contatos do clube regatiano. Livre no mercado após deixar o Rubro-Negro, era a hora do zagueiro dar início a uma nova jornada.

— Há uns dois anos, o CRB já vinha conversando, mas não tinha se encaixado. A partir do momento que chega um contrato bom, que era o que eu estava esperando, foi de imediato.

Então, em dezembro de 2023, o jogador era anunciado pelo Galo. E se deu certo? Bom, os números e o carinho da torcida respondem a pergunta. 

Desde que chegou, não saiu mais da titularidade — salvo por lesão ou por preservação. Já são 82 jogos, ajudando não só na defesa, mas também no ataque, com cinco gols e duas assistências. 

Francisco Cedrim / CRB

 

Ele estava em campo no primeiro semestre histórico de 2024 e lembra com carinho o título do Campeonato Alagoano, a final da Copa do Nordeste e a classificação às oitavas da Copa do Brasil.

— Foi algo incrível. Eu falo para amigos próximos que tenho saudade de poucas lembranças antes da lesão, mas a maioria desses momentos foram no primeiro semestre [de 2024]. Muito mais do que o resultado, era a forma como a gente conseguia os resultados. A gente conseguiu criar uma identidade muito forte com a torcida, tanto que, em casa, a gente era imbatível — e continua. 

A gente tinha uma conexão muito forte dentro de campo, que a gente poderia olhar para o lado e confiar no companheiro. Foi, sem dúvidas, uma das melhores fases da minha carreira. Brilhava o olho de poder jogar com a equipe que nós tínhamos formado. 

Na decisão do Nordestão, o Regatas foi buscar o empate no agregado contra o Fortaleza, em um Rei Pelé lotado, mas acabou ficando com o vice-campeonato após perder nos pênaltis. Até hoje, Alemão se pergunta o que aconteceria caso o título inédito acontecesse. 

Tava comentando com o [Matheus] Ribeiro que eu fico pensando o que aconteceria se a gente tivesse feito o terceiro gol, de como seria. Eu acho que isso é o que todo torcedor pensa. Eu brinco que a gente ficaria o resto do ano em festa, porque é algo muito grande. Hoje com as SAFs, tornou-se algo grande e difícil de ser campeão pela diferença de orçamento. E a gente conseguiu igualar com a força da torcida, com a nossa equipe, com o trabalho do departamento de futebol.

Lesão mais grave da carreira: “Dor insuportável”

Mais de 215 dias. Mais de sete meses. Esse é o tempo que Fábio Alemão está fora dos gramados enquanto se recupera da lesão mais séria da carreira até então.

Em julho do ano passado, ele saiu de campo com fortes dores na partida contra o Santos, pelo 1° turno da Série B. Um dia depois, os exames constataram o rompimento de Ligamento Cruzado Anterior (LCA).

No momento da lesão, eu tive uma dor muito forte, tanto que eu fiquei uns cinco minutos parado. Ainda bem que foi na risca da lateral, que eu consegui cair para fora. Eu estava com uma dor insuportável. Eu já esperava [que fosse algo grave], porque, quando a gente é jogador, conhecemos o corpo. A gente tem dores, joga com dores, mas as dores que a gente conhece. 

Francisco Cedrim / CRB

 

A ausência dele foi sentida pelo time, que caiu de rendimento no segundo semestre e o objetivo do acesso foi trocado pela fuga do rebaixamento à Série C.

A gente vinha num momento de ascensão na Série B, estávamos com grandes expectativas. E eu também. Mas não procuro questionar a Deus. E, claro, a gente fica triste. É um processo difícil, principalmente no início. Já são sete meses e ainda tem, no mínimo, mais três. Então, no fim, são 10 meses sem fazer aquilo que eu mais amo fazer —lamentou, e continuou.

— Mas é um tempo que eu vou me preparar ao máximo, fazer tudo. É um tempo longo, mas tem cada etapa que se torna a recuperação total. E eu procuro fazer com o máximo de excelência, dar o melhor a cada dia. A torcida cria uma expectativa pela volta e eu também crio. Procuro que não seja apenas uma volta, mas que realmente faça a diferença como vinha fazendo.

Neste período de recuperação, o jogador conta que costuma pensar como será o retorno aos gramados. 

— Mas você vê que [a recuperacao] está sendo bem feita, que tem evolução. Isso me deixa muito feliz e ansioso pela volta. Muitas vezes, fico pensando no dia da volta, como será. Mas eu creio que Deus tem o melhor preparado.

Não estar em campo para ajudar os jogadores na reta final da temporada passada deixou o jogador ainda mais frustrado. 

O pior é não poder fazer nada. Na verdade, foi horrível. A gente ia para o jogo, aí perdia e dava frustração. Naquele momento, aonde eu tava tendo muita dor, a vitória dava uma alegria para esse momento que eu estava vivendo. Mas como acontecia essas derrotas, a gente ficava ainda mais tristes.

E a garantia da permanência veio na penúltima rodada. Alemão revela que ficou aliviado, mas ressalta que a crescente do CRB nos últimos anos não permite mais se contentar em entrar no Brasileiro para lutar contra o descenso.

— Fiquei aliviado pela permanência. Nós, enquanto clube, viemos numa crescente grande. Quem viu o CRB há cinco, seis anos atrás, e ver como está hoje já vê que é outro patamar. A gente hoje entra na Série B não apenas para competir, mas como favorito ao titulo, candidato ao acesso.

De acordo com o relato de Fábio Alemão, a volta só deve acontecer daqui a três meses — ou seja, em junho, com a Série B em andamento.

 

Mudança de gestão e reformulação no elenco

Desde que foi entregue ao departamento médico, Fábio Alemão não só viu a troca de dirigentes da pasta de futebol, como também presenciou a grande reformulação feita após o fim da temporada passada.

Questionado sobre como tem sido a relação com os diretores, ele conta que sempre procura ajudar no que pode.

Eu participo na questão de conversar. Eu sempre falo: posso não estar ajudando dentro de campo, mas fora tento ajudar o máximo possível. E, com certeza, eu converso com eles [diretores]. São caras muito abertos, que chegam sempre para fazer grandes trabalhos no CRB.

Com a mudança de gestão e um elenco tomado por peças novas, o Regatas iniciou o ano abaixo. Foi preciso um tempo maior para o entrosamento chegar no nível que o técnico Umberto Louzer pede.

— A gente está no caminho certo. Tivemos um pouco de turbulências no início, mas, agora, já entramos no caminho e creio que daqui vai ser para melhor.

Dupla com Segovia?

Um dos setores mais cobrados pela torcida neste início de 2025 foi, sem dúvida, a zaga. Contratado para ser o titular, Miranda chegou com um peso e responsabilidade grandes, acabando não rendendo o esperado.

Fico triste quando jogadores não conseguem se firmar aqui. Falando especificamente de zagueiros: se eles não conseguem, quer dizer também que o time não está muito bem. A gente sempre foca na zaga, mas é todo um contexto como equipe — e seguiu.

— Eu acho que são fases, até porque teve toda essa reformulação. Não é da noite para o dia que tu consegue criar esse time, criar conexão com os jogadores.

Há pouco mais de um mês, o CRB anunciou a volta de Luis Segovia, que defendeu as cores do clube no final da Série B passada. O retorno foi essencial para aumentar a segurança defensiva.

Com isso, a torcida já começou a imaginar uma possível dupla do equatoriano com Fábio Alemão. O brasileiro conta o que acha do pedido de torcedores:

Não tem o que falar do Segovia. É um jogador que, desde o ano passado, já demonstrou sua qualidade. É um cara muito querido. A torcida gosta de brincar bastante, mas eu tenho respeito pelos outros. Vejo que são grandes jogadores também. Isso vai ficar para a comissão técnica. Eu vou apenas procurar dar o meu melhor, seja com Segovia ou qualquer outro.

 

Planos futuros e permanência no CRB

Que a identificação de Fábio Alemão com o CRB é alta, ninguém discorda. Até o próprio defensor admite. Por isso, a torcida já iniciou os pedidos para contar o jogador pelos próximos anos.

Perguntado sobre os planos pessoais, ele não nega que deseja seguir no Ninho do Galo e dar o maior sonho dos torcedores: o acesso à Série A.

— Eu espero [ficar]. Eu falo que a decisão não depende só de mim. Mas, com certeza, é o clube que eu tive a maior identificação até hoje na minha carreira. Por mim, eu ficaria por muito tempo, faria ainda mais história. O objetivo que eu tenho para esse ano é conseguir o acesso. Acho que é o sonho de todo torcedor e, com o tempo, torna-se o meu também. Imagina o que seria da cidade e da torcida se a gente conseguisse o acesso?

Por fim, Fábio Alemão gravou um recado direto aos regatianos. No discurso, ele diz que conta com o apoio do torcedor para voltar ainda mais forte.

Olha, torcedor regatiano. Só tenho a agradecer por todo esse carinho. Assim como vocês, estou ansioso por essa volta. Estou me preparando o máximo todos os dias para voltar ainda mais forte. Conto com a força e o apoio para momentos que, sem dúvidas, fazem toda a diferença. E vamos que neste ano temos muitas coisas para conquistar.

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