Família de Glênio Sá pede reconhecimento de que morte dele foi assassinato político

A família de Glênio Sá, único potiguar a lutar na mítica Guerrilha do Araguaia, o movimento armado que ocorreu no Pará, Maranhão e Tocantis entre 1967 e 1974, apresentou uma petição à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, reunida nos dias 13 e 14 de fevereiro em Recife (PE), requerendo que se apure se o líder comunista “foi morto em decorrência de sua militância política de oposição à ditadura militar que se instalou em 1964” no Brasil.

Glênio Sá foi capturado em 1972, torturado brutalmente pela ditadura e passou anos em prisões clandestinas antes de ser libertado em 1974. Ele morreu em 26 de julho de 1990, num acidente automobilístico que, para a família, ainda hoje é cercado de mistério. Os familiares dele nunca aceitaram a versão oficial, segundo a qual aquela tragédia teria sido obra do acaso.

Glênio Sá, preso e torturado pela ditadura militar. Foto: Cedida

Em 2022, os jornalistas Jana Sá e Gilson Sá, filhos de Glênio, lançaram o documentário “Não foi acidente, mataram meu pai”, em que questionam, com base em uma longa pesquisa histórica, as circunstâncias controversas da morte do pai.

Entre os indícios que indicariam que o acidente automobilístico do 26 de julho de 1990, na estrada entre Coronel Ezequiel e Jaçanã, o documentário aponta que o Opala que colidiu frontalmente com o Fusca em que estava Glênio Sá, acompanhado de outros militantes, possuía uma placa fria.

Foto: Reprodução

Não há também registros claros sobre a identidade dos ocupantes do veículo, nem se sabe se prestaram depoimentos à polícia. O inquérito policial sobre o acidente nunca foi disponibilizado à família.

Na petição apresentada em Recife, a família argumenta que Glênio Sá, mesmo depois da redemocratização, continuou sendo monitorado até 1988, conforme indicam relatórios da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), além de investigações da Comissão Nacional da Verdade.

Para os familiares, esses fatos, além de outros elementos citados no documento, reúnem “indícios claros de um assassinato político disfarçado de acidente”.

A petição também cita que, meses após a morte de Glênio Sá, a casa da família foi invadida e documentos desapareceram. Para a viúva Maria de Fátima de Sá e a filha Jana Sá, não há dúvida: Glênio foi silenciado. Agora, a família quer que essa verdade seja reconhecida.

Marco Temporal

A Lei n° 9.140/1995, que criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, estabelece um marco temporal para analisar casos de vítimas da repressão política, compreendendo o período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988. Glênio Sá morreu em 1990, mas a família argumenta que, apesar disso, a morte se deu em decorrência das atividades políticas dele, que ocorreram dentro do marco temporal fixado pela lei.

“Não há na lei nenhuma menção ao período no qual deveria ter ocorrido a morte ou o desaparecimento, sendo exigido tão somente o vínculo causal entre a atividade política realizada no período mencionado e a ocorrência do ato violador do agente estatal”, destaca trecho da petição.

Graças a essa “brecha” na lei, a família busca, com a petição, que a morte de Glênio Sá seja oficialmente reconhecida como consequência da perseguição sofrida ao longo de sua trajetória.

A verdade que nos foi negada”

Para a família de Glênio, não restam dúvidas de que sua morte foi um assassinato político. “Minha vida parou ali. Mas nunca desisti de buscar justiça”, afirma sua viúva, Maria de Fátima Bezerra de Sá, que em 2024 conseguiu o reconhecimento oficial do Estado de que o marido foi perseguido e merece anistia política.

“Agora queremos que seja reconhecido o que realmente aconteceu. Ele foi morto por aqueles que queriam calá-lo”, declarou.

A jornalista Jana Sá, filha de Glênio Sá. Foto: Josué Nascimento

Jana Sá, filha de Glênio e presidente da Comissão Especial por Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte, reforça a importância do reconhecimento pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

“A máquina de repressão da ditadura não se desfez do dia para a noite. Ainda vivemos sob os escombros desse passado. O caso do meu pai é um exemplo de como a transição foi inconclusa e como a impunidade perpetua o silêncio”, comentou.

O jornalista Gilson Sá, filho mais velho de Glênio, também cobra justiça. “Desde criança, aprendi que a verdade tem um preço. Meu pai pagou com a vida, mas nos deixou a missão de não nos calarmos. Não buscamos apenas um reconhecimento oficial, queremos que a história seja contada como realmente aconteceu, para que crimes como esse nunca mais se repitam.”

A estudante Ana Beatriz de Sá Vasconcelos, filha de Jana Sá e neta de Glênio Sá, também participou da audiência aberta com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos em Recife. Ela comentou que o evento foi significativo para os familiares das vítimas da ditadura militar no Brasil e para a sociedade como um todo.

Ana Beatriz, neta de Glênio, com a mãe Jana Sá e a avó Maria de Fátima Bezerra de Sá. Foto: Luisa Medeiros

“O foco foi a importância de relembrar a luta por memória, verdade e justiça, especialmente em um contexto de avanço do fascismo. A audiência enfatizou a necessidade de reativar a memória popular sobre a ditadura e a exploração do povo, defendendo que a construção do socialismo é essencial para garantir uma sociedade sem exploração e onde lutar não seja considerado crime”, comentou.

Ela também ressaltou que o reestabelecimento da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta durante o governo Bolsonaro, “é um avanço importante na luta por memória e justiça”.

“Os familiares dos lutadores têm papel fundamental nessa conquista, mas a luta deve se expandir para responsabilizar os fascistas do passado e do presente, já que muitos torturadores não foram punidos e continuam impunes. A comissão também enfrenta a responsabilidade de abordar questões atuais de genocídio, miséria e exploração que afetam o povo pobre e preto nas periferias”, completou.

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