Por que trocar CLT no Brasil por subemprego nos EUA?

Texto de Nuno Vasconcellos:

“… O enredo não se inicia com a volta forçada dos imigrantes para o Brasil nem com as condições aviltantes da viagem. Tudo começa com as razões que levam tanta gente a renunciar à vida em seu país natal para trabalhar em condições ilegais — e, portanto, sujeitas à deportação — nos Estados Unidos. É inconcebível que um país com as características do Brasil, que ao longo da história, acolheu milhões de estrangeiros em busca de condições de vida dignas e promissoras, hoje não consiga oferecer a chance de prosperidade a seus filhos. É inaceitável que um país com tanta riqueza e tanto trabalho por fazer veja seus filhos se lançarem a uma viagem arriscada na tentativa de construir, em um país com idioma, hábitos, cultura e objetivos diferentes dos seus, o futuro que não conseguem vislumbrar na própria terra.

Pior ainda é saber que a maioria dos imigrantes ilegais mandados de volta sobreviviam nos Estados Unidos à custa de trabalhos árduos e mal remunerados, que não se sujeitariam a realizar no Brasil. Isso mesmo. A maioria dos brasileiros, assim como dos venezuelanos, colombianos, peruanos, nicaraguenses, mexicanos e outros latino-americanos que vivem ilegalmente nos Estados, ganha a vida em subempregos que não exigem preparo nem qualificação — apenas oportunidade e disposição de aceitar as condições desfavoráveis que lhes são oferecidas. São faxineiros, lavadores de pratos, ajudantes de ajudantes de cozinha, entregadores de comida e uma série de profissionais que, mesmo subempregados, conseguem ter por lá condições de vida superiores às que teriam em trabalhos com carteira assinada no Brasil.

Não se trata, aqui, de reduzir a importância das atividades que os latino-americanos abraçam em suas novas vidas. O que interessa dizer é que as pessoas que emigram para os Estados Unidos se sujeitam a realizar tarefas que não realizariam no Brasil nem em qualquer outro país de origem. E que os trabalhadores norte-americanos geralmente se recusam a fazer.

Lá, os imigrantes brasileiros, com as honrosas exceções de sempre, integram a base da base da base da pirâmide da força de trabalho. Uma discussão mais aprofundada desse fenômeno, claro, exige que se considerem os critérios de formação e a trajetória de desenvolvimento de cada um desses dois Estados. Mas cabe dizer, de forma resumida, que, nos Estados Unidos, os imigrantes pegam no batente sem a cobertura dos “direitos trabalhistas” que, no Brasil, multiplicam o custo da mão de obra e desestimulam qualquer empresário a gerar empregos. E que, no final das contas, destinam à máquina de arrecadação do Estado um dinheiro que poderia ser embolsado pelo trabalhador ou reinvestido na geração de mais oportunidades.

Isso mesmo. Nos Estados Unidos não existem folgas remuneradas nos finais de semana nem férias obrigatórias de 30 dias por ano. Não tem INSS, FGTS, 13º salário, adicional noturno, salário desemprego e uma série de direitos que oneram as obrigações dos empregadores e desestimulam a geração de empregos e a própria realização de negócios. E que, em última instância, reduzem oportunidades que, se fossem oferecidas, ajudariam a manter no Brasil muitas das pessoas que, no final da história, acabam enxergando na imigração, ainda que ilegal, uma maneira de progredir na vida.

O fato é que, mesmo contando com todos os ‘direitos’ oferecidos pelo país natal, milhares e milhares de brasileiros preferem viver nos Estados Unidos. Ainda que estejam conscientes do risco de serem detidos e mandados de volta com uma mão na frente e outra atrás, preferem viver por sua própria conta e risco em solo norte-americano do que dar murro em ponta de faca em um país onde o Estado ineficiente se apropria de parte de seu esforço para financiar uma máquina onerosa e ineficiente.

De acordo com o Itamaraty, a comunidade brasileira nos Estados Unidos é de 2,8 milhões de habitantes. Desses, 230 mil vivem na ilegalidade e podem ser deportados pelas autoridades da Imigração e Fiscalização Aduaneira — ICE na sigla em inglês. De acordo com uma lista elaborada pelo órgão no ano passado — antes da posse de Trump, portanto — há neste momento mais de 1,5 milhão de processos de deportação em análise pelo governo norte-americano. Desses, 38 mil são brasileiros.

Nos bastidores da diplomacia mundial, a aposta é de que o fôlego das deportações será contido pela necessidade que o mercado norte-americano tem do trabalho dos imigrantes. Seja como for, a devolução dos imigrantes ilegais a seus países será uma marca do governo Trump. E ainda que haja exageros evidentes em iniciativas como o uso da prisão de Guantánamo, localizada numa base militar norte-americana em Cuba, para acomodá-los durante o processo de deportação, é preciso que os governos latino-americanos reflitam antes de radicalizar na reação a essa política…”

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