Bióloga juiz-forana desenvolve trabalho para salvar botos na Amazônia

boto mariana frias

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Botos são sentinelas da natureza, como explica especialista (Foto: Arquivo pessoal)

Um levantamento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia indicou que o número de botos da Bacia Amazônica, como o cor-de-rosa e o tucuxi, está diminuindo pela metade a cada 10 anos. Apesar desse recorte ser apenas de uma pequena região, e dos botos terem populações também na Colômbia, Peru, Equador, Venezuela e Bolívia, há várias estimativas que apontam um declínio do número desses animais, cujas populações estão comprometidas pelo efeito cumulativo de ameaças. Na linha de frente para mudar esse cenário, está a pesquisadora juiz-forana Mariana Frias, analista de Conservação do World Wide Fund for Nature (WWF-Brasil). Desde pequena, ela sentia um fascínio enorme pelos botos, tanto que seguiu mesmo essa carreira, e hoje ajuda a buscar soluções para cuidar dessa população. Mesmo a tantos quilômetros longe dessa população, ela já percebia a importância que esses animais tinham, tanto para o ecossistema quanto para a cultura brasileira – algo que, atualmente, enxerga que precisa chegar até mais pessoas como um problema urgente.

A pesquisadora começou sua trajetória na UniAcademia e, logo que pôde, começou estágios no Instituto Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que promove ações principalmente no estado do Amazonas. Lá, ela trabalhou com a pesca tradicional e artesanal do peixe-boi amazônico e participava também de ações educacionais, uma das frentes de trabalho do instituto. Até que, ao chegar ao trabalho de conclusão de curso, resolveu lançar o olhar para os botos e sugeriu para o instituto desenvolver o trabalho com esses animais a partir da  interação turística, passando pela percepção das pessoas que iam fazer o turismo de base comunitária e ainda pela observação responsável. Ela continuou com mestrado e doutorado em Ecologia na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e, atualmente, faz parte do WWF e do grupo que desenvolveu chamado South American River Dolphins Initiative (Sardi). Durante todo esse caminho, também a situação dos botos foi se complicando, e ela precisou entender um cenário que envolve vários desafios. “Os botos representam a saúde de um ecossistema, são sentinelas, e mostram para a gente o cumulativo de várias ameaças”, diz.

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“Cada boto que surge na minha frente é algo mágico, é algo novo, que me encanta”, diz Mariana Frias (Foto: Adriano Gambarini/WWF-Brasil)

Apesar do boto ser um ícone do conhecimento tradicional e do folclore brasileiro, estando presente em várias lendas e sendo homenageado em festivais (como é o caso de Sairé, em Alter do Chão), o animal também é vítima de conflitos. Para a pesquisadora, são três principais ameaças que atingem os botos-vermelhos e tucuxi: a pesca, o garimpo e a presença das hidrelétricas nos rios. Esse primeiro fator está associado tanto à pesca comercial e industrial como à pesca de pequena escala, por causa do uso inadvertido ou mau uso da rede de pesca. “Muitas vezes esses animais se enroscam nas redes e acabam morrendo num evento chamado de bycatch. Pouco temos de estimativa em termos de quanto isso representa em perda de indivíduos por ano, mas sabemos que são muitos”, explica. Os pesquisadores estão tentando quantificar esses dados, mas entendem que, além da mortalidade acidental, existem os conflitos mais diretos entre os pescadores e os botos pela disputa de recursos.

Já em relação ao garimpo, o grande problema está em relação à presença do mercúrio dentro do sistema aquático. “Esse mercúrio é extremamente contaminante, é um metal pesado que entra na corrente sanguínea e gera danos neurológicos, reprodutivos e degenerativos. Isso já é provado no organismo humano e para alguns cetáceos marinhos, mas para o boto ainda não conseguimos entender os efeitos fisiológicos. As concentrações são altíssimas, pelo que estamos coletando”, revela. Da mesma forma, a questão das hidrelétricas ocorre pelas barreiras físicas, que fazem com que animais percam a conexão no rio e a população fique fragmentada entre várias hidrelétricas pequenas. “Essa fragmentação populacional diminui a diversidade genética, a quantidade de abundância de peixe e reduz o estoque pesqueiro que é a principal fonte de alimento para o boto”, diz.

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Botos enfrentam desafios com a pesca, o garimpo e a presença das hidrelétricas nos rios (Foto: Adriano Gambarini/WWF-Brasil)

Mudanças climáticas exacerbam desafios

Diante desse cenário, há ainda as mudanças climáticas, que sobrepõem e exacerbam novos desafios. “Em 2023, tivemos um evento de mortalidade por altas temperaturas no lago de Tefé, quando mais de 330 animais morreram em dois meses. É uma perda considerável em um espaço muito curto de tempo. Foi comprovadamente o primeiro mamífero aquático a morrer por altas temperaturas causadas pelas mudanças climáticas”, conta a pesquisadora. A questão da preservação dos botos, então, se complexifica na medida em que, quando se tem um estresse hídrico muito forte, o corpo do rio diminui e novos conflitos também aparecem, além da concentração maior de mercúrio. São eventos que, como entende, começam a ser acelerados de maneira que vulnerabiliza esses animais.

A pesquisadora entende que, da perspectiva do Sudeste, pode parecer difícil se sensibilizar tanto com uma questão que atinge animais principalmente do Norte do país, e que por vezes estão muito distantes da realidade de cada um. Mas ela considera que, assim como a onça-pintada no Jardim Botânico, esse animal é um símbolo forte para muitas comunidades, e é um símbolo da força maior da natureza. “Precisamos pensar cada vez mais em soluções que promovam a paz entre natureza e humanidade, melhorando nossas práticas. É uma missão para a minha vida promover a conservação não só das espécies, mas usar as espécies para proteger também os rios amazônicos, as populações ribeirinhas e os quilombolas. Essa floresta que tanto abriga biodiversidade e cultura”, diz.

 

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Mariana Frias acredita que capacitação, conscientização e estratégias de mitigação são essenciais (Foto: Arquivo pessoal)

Estratégias de mitigação e adaptação

Mesmo já trabalhando há anos com esses animais, aquele deslumbre de menina ainda não passou – só se transformou. “Cada boto que surge na minha frente é algo mágico, é algo novo, que me encanta e que me faz ver como a gente entende pouco sobre a diversidade de vida que existe neste plano. E como é importante que a gente pense em ações de conservação e proteção”, conta. No WWF, essas ações têm incluído medidas de mitigação e de adaptação para reduzir os conflitos e melhorar a qualidade de vida desses animais, além do envolvimento na incidência política e nos trabalhos e planos de ação nacional. Isso está sendo feito, como ela exemplifica, pelo monitoramento populacional e pela criação  de mecanismos de coexistência com a pesca.

Uma das criações nesse sentido são os pingers, dispositivos acústicos que são acoplados na rede de pesca, que emitem ruídos para afastar os botos. Os estudos já feitos, ainda em pequenas escalas, estão apontando que o uso desses dispositivos poderia diminuir em 40% a interação dos animais com as redes. Também está sendo desenvolvido um grupo de trabalho para monitoramento remoto dos lagos amazônicos por sensores térmicos utilizados por satélite e, se necessário, tornando possível a emissão de alertas. Além disso, ela explica a importância da capacitação da governança local, para que as pessoas da comunidade tenham suas vozes amplificadas. “Nós prezamos a construção conjunta e a conservação participativa. O olhar que trazemos, de fora, não é e nem nunca vai ser completo. Nós não vivemos aquela realidade. Então o processo construtivo local é muito importante para aprendermos as necessidades, adequar todo o pensamento e a lógica científica para o que realmente vai ser aproveitado a nível local”, destaca.

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