Natal fica mais triste com a morte de Jácio Torres, do Sebo Cata Livros

Lembrado como um homem gentil, acolhedor e dedicado ao que fazia, Jácio Medeiros Torres deixa uma legião de amigos órfãos. Fundador do Sebo Cata Livros, Jácio faleceu nesta segunda (03), depois de uma luta de seis meses contra um câncer de intestino que se espalhou para outras áreas do corpo.

Era umas 3h da madrugada da segunda quando meu filho me acordou dizendo mainha, eu tô falando com papai e ele não responde’. Dei um pulo da cama e chamamos a ambulância. Ele estava na rede, que é onde gostava de ficar deitado. Verificaram os sinais dele e aconselharam a esperar o dia amanhecer para levá-lo para o Hospital Onofre Lopes, porque ele já fazia tratamento lá e é para onde devia ser levado se sentisse qualquer coisa. Esperamos amanhecer e chamamos novamente a ambulância. Ele foi muito bem atendido, colocaram um monte de aparelhos e quando foi 11h da manhã ele teve uma parada de 20 minutos, que já foi muito séria. Os médicos reanimaram e ele ficou nos aparelhos. À tarde os órgãos começaram a falhar, o médico me pediu para sair do quarto, fecharam a persiana e a médica veio me dizer que ele tinha falecido. Ele morreu tranquilo e eu agradeço muito porque Jácio era uma pessoa muito boa, Deus teve misericórdia para ele não sofrer tanto”, relata Verônica Torres, esposa de Jácio.

Jácio com a esposa e o filho Ramon I Foto: acervo da família

 Verônica, que é mais conhecida como Vera, conheceu Jácio quando ele ainda tinha por volta dos 17 anos e trabalhava na cigarreira do tio, no bairro do Alecrim, onde eram vendidos discos e quadrinhos.

Ambos éramos do Alecrim e eu sempre o via, mas depois de um tempo ele pegou a estrada. Ele foi hippie naquela época dos anos 70 e quando voltou o tio havia falecido e ele assumiu a banca e começou a introduzir a literatura. Foi quando nos reencontramos, eu tinha 17 anos e ele 25 e ficamos juntos até hoje, uma vida”, conta Verônica emocionada.

O amor entre os dois foi fulminante. Assim que começaram a namorar, os dois também passaram a morar juntos no Alecrim. Jácio e Verônica tiveram um filho, que hoje acompanha os pais no negócio.

A banca foi crescendo e começamos a montar outra unidade na minha casa, na sala corredores… tudo foi virando sebo. Nosso filho nasceu no Alecrim e quando ele completou sete anos é que compramos nossa casa, em Nova Descoberta, que é onde moramos hoje”, acrescenta.

Jácio com a esposa (ao fundo) e os amigos frequentadores do sebo I Foto: acervo da família
Jácio Torres I Foto: cedida

Atualmente, o Cata Livros tem uma unidade no Mercado de Petrópolis e na avenida Prudente de Morais, em frente às Farmácias Pague Menos.

A família já teve sebo na Rua da Conceição, em frente ao Instituto Histórico e Geográfico, deixando a banca do Alecrim para uma irmã, que continua lá até hoje. Também teve uma unidade no Beco da Lama e na Rua Xavier da Silveira, quando houve um grande incêndio que queimou todo o material da família. Nessa época, foi a ajuda dos amigos que reergueu o sebo.

Desse incêndio só restou eu e ele, mas ao mesmo tempo, tivemos uma alegria muito grande porque Natal transformou nossas vidas de novo com doações, shows, o pessoal como Babal, Pedrinho, Khrystal, fizeram apresentações no Palácio da Cultura com entrada livre, o pessoal do heavy metal também… ele sempre apoiou os artistas que pediam algum auxílio… Jácio era uma pessoa muito boa, muito solidária”, lembra.

Depois Jácio e Vera abriram um ponto na Salgado Filho, depois na Prudente de Morais, onde o sebo foi arrombado mais de sete vezes. Quando o filho também começou a se interessar pelo ramo, abriu mais uma unidade no Alecrim, que foi fechada para abrir um ponto na Avenida 6, perto do Nordestão.

Com a morte do pai, Ramon e Vera vão concentrar as energias no Mercado de Petrópolis e na unidade da Prudente em frente à Pague Menos.

Recebendo a visita de Ed Motta I Foto: acervo da família
Foto: acervo da família

Sem defeitos

Para Abimael Silva, a amizade sempre veio antes da concorrência. Aliás, o dono do Sebo Vermelho conta que os dois fizeram grandes parcerias e mudaram o cenário da cultura potiguar nos anos 1990.

Ele era um amigo que conheci no final dos anos 1970. Primeiro frequentava o sebo como cliente e nos tornamos amigos. Em 1985 virei sebista e continuamos com uma ótima amizade. Nos anos 1980/90 fizemos várias feiras de sebos. Levava máquina de escrever para a casa de Jácio e ficávamos escrevendo projetos, que fizeram uma grande diferença em relação à cultura da cidade. Ele foi uma pessoa importante para a cultura, era muito tranquilo, maneiro, só merece elogios. Tem gente que tem defeitos à primeira vista, poucas pessoas são como Jácio, você procura um defeito e não encontra”, resgata Abimael Silva.

Além de acolhedor, Jácio também era brincalhão I Foto: acervo da família

Um livreiro

Sou um dos clientes mais antigos, que presenciou o incêndio, o curto circuito que destruiu todo o acervo. Foram necessárias 60 caçambas de livros queimados para tirar tudo lá de dentro”, lembra o jornalista Vicente Serejo, que conheceu Jácio quando ele ainda era solteiro.

Gostava muito dele, era muito tranquilo, generoso e foi um dos primeiros a comprar acervos inteiros. Ele sabia o que cada cliente gostava e tinha relação pessoal, avisava quando chegava um livro aguardado. Nunca vi gesto de irritação ou de indelicadeza com ninguém. Era um livreiro, não um vendedor de livro. Tinha a vocação, conhecia a bibliografia do Rio Grande do Norte, conhecia o livro, os autores, sabia o que era esgotado e procurado, o que era velho, sabia distinguir um livro antigo de uma raridade”, elogia Serejo.

Uma pessoa querida

Conheci Jácio no início dos anos 1980 quando não morava em Natal e vinha de férias (tinha um espaço de vendas de livros usados no alecrim e comprei muitos livros) e depois, com meu retorno a Natal em meados dos anos 1990, passei a frequentar com assiduidade. Nos tornamos amigos. E desde então foram certamente milhares de livros que adquiri ao longo desses anos e saliente-se, sem qualquer “rusga” ou desavença. Era uma pessoa pacata, do bem, que viveu a maior parte de sua vida entre livros Também foi uma pessoa muito querida e não apenas pelos frequentadores habituais do Cata-Livros e expressão disso foi quando houve um incêndio na loja na rua Xavier da Silveira e pouco depois, muitas pessoas, inclusive eu, doaram livros, Cds, revistas etc e logo o sebo teve continuidade, em outro espaço. Perdi um amigo, e a cidade perde alguém que muito contribuiu com a venda de seus livros, para a cultura do Estado e ampliação de muitos acervos, incluindo o meu e de outros amigos. Fica sua lembrança , o exemplo e seu legado, a ser continuado por sua esposa, Vera, também amiga querida e companheira de toda sua vida, e Ramon, seu filho, que segue o exemplo do pai e que darão continuidade ao Cata Livros“, relara o cientista político Homero Costa.

Uma cidade mais triste

Natal amanheceu hoje mais pobre e triste. Perdemos Jácio Torres, decano dos sebistas e fundador do Cata Livros. Humilde, afável e bem-humorado, era uma figura humana admirável, sempre pronto a compartilhar seu amor pelos livros. Sua paixão pelo universo literário começou cedo, inspirado pelo tio Jaime, que mantinha uma banca no Alecrim, onde vendia livros de faroeste, discos e quadrinhos. Seguindo seus passos, Jácio fundou o Cata Livros em 1970, tornando-se uma referência no setor. Em 2011, um incêndio destruiu a matriz do sebo, consumindo quase todo o acervo — cerca de cem mil livros. Mas Jácio e sua esposa, Vera, não se deixaram abater. Com resiliência e amor aos livros, reconstruíram o Cata Livros, mantendo viva a tradição. Ao longo de mais de 50 anos, tornou-se quase impossível encontrar um leitor em Natal que não tenha comprado, vendido ou trocado livros com Jácio, Vera ou o filho, Ramon. O legado da família segue firme, com filiais no Mercado de Petrópolis e no Alecrim, enquanto a loja de Jácio permanece na Prudente de Morais. Graças a eles, sua história continua. Meus sentimentos e força à família“, escreveu o jornalista Tácito Cota em suas redes sociais.

O velório

O velório de Jácio Torres será realizado no Centro de Velório Padre Cícero, na Rua Presidente Leão Veloso, no birro das Quintas, a partir das 18h desta terça (04).

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