Taata Sérgio
| Foto: Clara Pessoa / Ag. A TARDE
Ritos própriosNo Terreiro Ilê Oba L’Okê, da nação Ketu, em Lauro de Freitas, os membros da casa oferecem arroz para Iemanjá para compartilhar a comida favorita da divindade com os frequentadores. A tradição tem mais de uma década.”A maioria dos terreiros possui datas específicas para celebrar Iemanjá, com ritos próprios”, explica o babalorixá do terreiro e antropólogo Vilson Caetano.Para o Ilê Oba L’Okê, o segundo dia de fevereiro é um momento de aproximação com visitantes e curiosos que estão na cidade por causa do verão. “A gente orienta para que façam os presentes, dá banho de folha neles, faz jogos. São maneiras do nosso terreiro participar da festa”.Vilson pontua que, para ele, o 2 de Fevereiro não é uma festa do Candomblé, ou seja, não segue os preceitos e obrigações da religião, “mas é um culto muito importante para a cidade”.
Vilson Caetano, babalorixá e antropólogo, do terreiro Ilê Oba L’Okê
| Foto: Uendel Galter/ Ag A TARDE
O presidente-fundador da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA) e ogã do Terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, Leonel Monteiro, conta que a travessia do Atlântico no processo escravagista pautou o culto a Iemanjá no Brasil.Ele explica que, apesar da forte relação com as águas salgadas, o orixá chegou ao país sob o nome de Yemoja e como entidade da água doce, e que o termo “Yeye Omo Eja” significa “mãe cujos filhos são peixes”.Assim como na nação Angola, o Terreiro Vodun Zo também começa a celebração com oferendas em águas doces. No primeiro dia de fevereiro, de madrugada, Oxum, orixá dos rios e cachoeiras, recebe presentes. A homenagem antecede os festejos de Iemanjá. “Primeiro você adoça o coração, depois salga os pés”, diz Leonel.
Leonel Monteiro
| Foto: Uendel Galter/ Ag A TARDE
Líder espiritual do Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, da nação Jêje Savalu, Doté Hamilton revela porque conduz os membros da casa para prestar homenagem a Iemanjá em águas doces: “Para a gente, ela é a mãe do rio”.A casa respeita a comemoração do dia 2 de fevereiro, no entanto, segue um calendário de celebrações regido pela mãe das águas. “É o orixá quem pede”, diz. De acordo com Hamilton, todas as celebrações devem ser respeitadas: “Iemanjá é água e onde tem água tem que ter vida”.
Imagem de Yemanjá localizada terreiro Vodun Zo, no Curuzu
| Foto: Uendel Galter/ Ag. A TARDE
RespeitoEm 2016, o templo liderado por Doté Hamilton foi o primeiro a ser tombado pelo município de Salvador, com base na Lei de Preservação do Patrimônio Cultural da cidade. A iniciativa foi impulsionada pela associação presidida pelo ogã Leonel.Segundo ele, a AFA tem como objetivo aproximar as casas de axé dos órgãos públicos e, assim, fomentar ações políticas que apoiem religiões de matriz africana.”É um disparate que a verba pública seja usada exclusivamente para reforma e manutenção de templos católicos e nunca para terreiros”, afirma Leonel. O ogã fundou a associação há 22 anos para combater o racismo religioso.
Doté Hamilton
| Foto: Shirley Stolze / Ag A TARDE
Além do enfrentamento à intolerância promovido por organizações como a AFA, outra via de luta, para a Ialorixá Ìyá Márcia d’Ògún, é a representatividade em festas religiosas, como o Dia de Iemanjá. “Serve como instrumento para combater o ódio, o racismo e o terrorismo religioso. É uma pena que alguns pulem as ondinhas e sigam discriminando as pessoas”, afirma a ialorixá, em referência ao ritual que é amplamente repetido no dia 2 de fevereiro.Liberdade religiosaA ialorixá comemora a liberdade das pessoas de religiões de matriz africana para professar a fé delas nesta data. “É um momento para o povo de terreiro celebrar escancaradamente seu sagrado com uma adesão popular muito grande”. É também, diz Ìyá Márcia, uma data para agradecer pelo alimento que vem do mar.“Mãe Iemanjá é tão bondosa que os peixes moram nas águas dela, mas o sal não consegue penetrar no peixe”, diz. “É como devemos fazer: a gente deve ofertar às pessoas tudo de melhor in natura e o que vai ser feito com isso depois é da escolha de cada pessoa”, reflete a líder religiosa.O babalorixá e antropólogo Vilson Caetano acredita que a festa para Iemanjá dá visibilidade ao povo de religião de matriz africana. “É um momento que nos empodera como pessoas negras e reafirma nosso potencial político”, afirma.Vilson diz que celebrar Iemanjá é homenagear também a resistência do povo negro. “Desde o momento que colocamos pé no Brasil, aprendemos a agradecer e retribuir”, conta o antropólogo. “É uma festa para todas as tradições religiosas do nosso povo, para que a gente continue celebrando e resistindo”.