Projetos resgatam animais marinhos e preservam reprodução das tartarugas no RN

Às 15h36 do dia 19 de janeiro deste ano, o servidor público Herik avistou uma tartaruga-oliva presa numa rede de pesca e coberta por lixo, na Praia de Caraúbas, localizada entre Maxaranguape e Maracajaú. Prontamente, ele acionou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas a ligação não pôde ser concluída.

Logo, Herik pesquisou por uma organização não-governamental (ONG) na internet. Foi quando encontrou o telefone da Associação de Proteção e Conservação Ambiental (APC) Cabo de São Roque, cuja equipe veio em 15 minutos para resgatar o animal. O servidor público comentou sobre a situação nas redes sociais, o que serviu de alerta sobre o encalhe de animais marinhos – e a necessidade de lidar com a situação de forma segura.

Herik diz acreditar que o animal era uma fêmea com 15 anos de idade. “Ela teve que ser levada a um centro de recuperação. Estava muito magra e não poderia ser devolvida ao mar de imediato”, conta. As pesquisadoras do projeto Tartarugas ao Mar, pertencente à APC Cabo de São Roque, conduziram o trabalho. Assim como diversas praias do litoral potiguar, a Praia de Caraúbas é local de desova de tartarugas marinhas.

Animal estava debilitado e coberto por lixo / Fotos: cedidas por Herik

O litoral do Rio Grande do Norte, inclusive, é um dos principais berçários de espécies de tartarugas da América do Sul, a exemplo da tartaruga-de-pente. Por isso, diversas instituições, especialmente ONGs e projetos sem fins lucrativos, mobilizam esforços para trabalhar com esses e outros animais marinhos que encalham nas praias. No caso das tartarugas, além de lidar com o problema de encalhe, os projetos fazem o seu monitoramento reprodutivo, garantindo a segurança dos ninhos e a soltura dos filhotes no mar. 

Das cinco espécies de tartarugas que frequentam a costa potiguar, quatro estão na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, do Ministério do Meio Ambiente (2022): tartaruga-de-pente, tartaruga-cabeçuda, tartaruga-oliva e tartaruga-de-couro (que está criticamente ameaçada). A tartaruga-verde saiu da lista brasileira das ameaçadas na última atualização, porém, está quase ameaçada. O peixe-boi também está em perigo de extinção.

Diante desse cenário, a reportagem da Agência Saiba Mais buscou investigar esse contexto junto a projetos que atuam com o resgate de animais marinhos na costa potiguar, a qual tem mais de 400 km. Ouvimos representantes do Centro de Estudos e Monitoramento Ambiental (CEMAM), da Fundação Projeto Tamar e da ONG Tartarugas ao Mar. Juntos, os três projetos entrevistados cobrem três quartos (304,5 km), ou 76%, da costa potiguar.

2024 registrou encalhe de centenas de animais marinhos

O CEMAM registrou 240 encalhes em 2024 em sua base de dados, entre diversas espécies – foram 190 animais mortos e 50 vivos. Tartarugas: 159; cetáceos: 65; aves marinhas: 13; e sirênios: 3. A maior população de animais resgatados foi de tartarugas marinhas, seguida de baleias-piloto e botos-cinza.

As tartarugas-verdes juvenis, encontradas em áreas de alimentação costeira, estavam com sinais de lixo e pesca incidental. O número de baleias-piloto se deve ao encalhe em massa de 21 indivíduos na praia de Pititinga, em Rio do Fogo/RN, em maio de 2024. Já alguns botos-cinza, principalmente em regiões próximas à costa, tinham marcas de interação com redes de pesca.

Tartaruga-verde morta no litoral do RN / Foto: banco de imagens/Fundação Projeto Tamar RN

Dados da Fundação Tamar disponibilizados à reportagem indicam que houve 37 encalhes de tartarugas marinhas na área monitorada pela entidade, em 2024 – dois animais estavam vivos quando encalharam, mas um morreu.

Em 2023, 59 tartarugas encalharam e morreram nas praias de monitoramento do projeto. Para a coordenação da Fundação Tamar no RN, esse número pode estar subestimado, uma vez que muitos animais morrem em alto-mar e não chegam à praia. 

Já informações colhidas junto à APC Cabo de São Roque indicam que o número de encalhes na região monitorada pela Tartarugas ao Mar tem diminuído anualmente desde 2016, tendo apenas um pico em 2019. A ONG estima entre 60 e 80 tartarugas mortas por ano, ante uma média histórica de 100. 

Ilustração que resume os dados coletados – Fonte: os projetos

CEMAM: resgate da megafauna marinha

O Centro de Estudos e Monitoramento Ambiental (CEMAM) surgiu em 2014, em Areia Branca, visando conservar os biomas marinhos e lidar com a megafauna do mar – animais como cetáceos (baleias e golfinhos), aves marinhas, sirênios (peixe-boi) e tartarugas marinhas.

Segundo o presidente do CEMAM, o biólogo Daniel Solon, esta ONG surgiu por iniciativa de pesquisadores, especialmente biólogos e médicos veterinários, que trabalhavam no Projeto Cetáceos da Costa Branca (PCCB), da Universidade do Estado do RN (Uern), o qual existe desde 1998. 

A ideia era ter um pouco mais de autonomia, porque até então os projetos eram muito ligados à academia”, relata. O propósito da instituição é “mitigar e diminuir os impactos a essas espécies da megafauna marinha”. Solon destaca que o RN tem um litoral rico em biodiversidade, sendo um dos únicos locais no Brasil onde há remanescentes de peixe-boi marinho.

CEMAM atua na proteção da megafauna marinha / Foto: Ascom/CEMAM

É um litoral muito rico, porém, com muitas ameaças antrópicas. A gente viu a necessidade de se estruturar para poder tentar, de alguma forma, diminuir esses impactos”, compartilha.

Um dos maiores desafios da ONG é a captação de recursos financeiros, o que é contornado, principalmente, com apoio de empresas privadas. “Nossos maiores apoios vêm de empresas e prestadoras de serviço, não tanto dos órgãos públicos”, Daniel afirma. A área monitorada pelo CEMAM abrange 223 km, entre o litoral de São Bento do Norte e Baía Formosa, além de atuações pontuais em Galinhos e Areia Branca. 

Embora tenhamos a estrutura técnica e o reconhecimento, os desafios são grandes. O crescimento da nossa atuação é limitado pela falta de apoio financeiro, o que impacta diretamente nossa capacidade de resposta e ampliação do trabalho. Hoje, parte da equipe envolvida nos atendimentos de fauna é composta por voluntários”, informa a assessoria de imprensa do Centro.

O trabalho é realizado em parceria com outras instituições, especialmente o PCCB/Uern. O CEMAM atua no litoral sul até a divisa com a Paraíba, e o PCCB/Uern está presente de Caiçara do Norte até a divisa com o Ceará – cobrindo cerca de 332 km. 

Captação de recursos é desafio para a ONG, avalia Daniel / Foto: Ascom/CEMAM

Em 2022, Daniel Solon concluiu um doutorado, que logo foi emendado com um pós-doutorado, que terminou em 2024. Hoje, se dedica quase exclusivamente à preservação e ao estudo da megafauna, na gestão do CEMAM, e trabalhando em sinergia com o PCCB/Uern. Ele frisa que grande parte dos colaboradores do projeto se dedica à pesquisa científica. Quanto à relevância do trabalho, ele é categórico:

Eu poderia dizer que é algo que me move, que sou apaixonado pelos bichos do mar… Mas eu acho que é além disso. Para mim, é uma identificação. Tanto que eu escolhi ingressar pela Biologia Marinha”, reflete.

Ele queria estudar os animais, mas se deparou com as ameaças que eles sofriam e passou a usar o estudo e o trabalho de uma forma mais ativista. Percebeu, assim, a necessidade de atuar para mitigar esse cenário. Nesse sentido, ele defende que a atuação deve ser coletiva.

“Quando você salva uma espécie como a tartaruga marinha, que a gente chama espécie bandeira, que ocupa muitos lugares diferentes no oceano, você acaba conservando tudo que está embaixo, tudo que está no entorno”, afirma.

Sobre o monitoramento do CEMAM e a relação com os recursos, ele menciona uma situação que ocorreu em Galinhos, em 2022. “A gente detectou uma problemática de impacto de morte de aves marinhas lá em Galinhos, que estavam morrendo porque estavam colidindo com a linha de distribuição de energia que fica na beira da praia”. 

O recurso necessário para ampliar o trabalho e investigar as causas e os impactos das colisões só veio da América do Norte, de onde as aves estavam migrando para morrer no litoral potiguar. Os pássaros estavam com anilhas de identificação, por meio das quais o CEMAM conseguiu se comunicar com o pessoal dos Estados Unidos e conseguir apoio.

Para contribuir com o CEMAM, é possível encontrar o canal de doações no site: https://www.CEMAM.org/doacoes

Pioneirismo da Fundação Tamar

Uma das principais entidades de conservação da tartaruga marinha no Brasil, a Fundação Projeto Tamar chegou ao RN em 1991, no Santuário Ecológico de Pipa, em Tibau do Sul. Quem conta essa história é o coordenador de conservação e pesquisa do Tamar no RN, o engenheiro de pesca Eduardo Lima.

O proprietário do Santuário percebeu que havia desovas da tartaruga-de-pente na região e acionou o Tamar.

Naquela época, a tartaruga-de-pente era considerada criticamente ameaçada de extinção. Hoje, ela está ameaçada de extinção aqui no Brasil, mas, no resto do mundo, ela continua criticamente ameaçada”, Eduardo explica. 

Essa mudança no status de ameaça à espécie se deve, segundo ele, “aos esforços de vários projetos que atuam em conjunto na proteção das tartarugas”. A Fundação Tamar é a que atua há mais tempo, desde 1988. Eduardo comemora que, espalhadas pelo Brasil, outras instituições tenham iniciado um trabalho semelhante.

Tamar é pioneira na proteção de tartarugas marinhas / Foto: banco de imagens/Fundação Projeto Tamar RN

Em 1991, no RN, o projeto estava fazendo o primeiro levantamento dos ninhos de tartarugas. A base de Pipa, em Tibau do Sul, foi instalada em 2002. Atualmente, o projeto trabalha em 19,5 km do litoral, entre a Praia de Malembá, em Senador Georgino Avelino, todas as praias de Tibau do Sul – Cacimbinhas, Madeiro, Baía dos Golfinhos, Chapadão, Minas e Sibaúma – e a Praia de Olho d’Água, em Baía Formosa.

Lima diz que o monitoramento dos animais é feito por biólogos, engenheiros de pesca, médicos veterinários, estudantes e voluntários das áreas de ciências. Em Malembá e Olho d’Água, os tartarugueiros – pescadores experientes – também trabalham para o projeto, monitorando as áreas de proteção durante o auge da desova. 

Só um ou dois filhotes chegam à fase adulta a cada mil / Foto: banco de imagens/Fundação Projeto Tamar RN

A área de Tibau do Sul é uma das áreas mais importantes do litoral sul da América do Sul para a desova de tartaruga-de-pente”, Eduardo destaca, e lembra que a produção em 2024 foi de mais de mil desovas, o que resulta cerca de 48 mil filhotes. Desse total, 92% eram tartarugas-de-pente. Entretanto, de cada mil filhotes, só um ou dois chegam à fase adulta.

O Projeto Tamar não tem fins lucrativos e um dos meios de contribuição é conhecendo os centros de visitantes do Tamar em áreas de turismo. Em Pipa, apesar de ainda não existir um desses centros, há o Museu da Tartaruga no Santuário Ecológico. O ingresso é revertido em recursos para a conservação da tartaruga. O restante dos recursos é completado por patrocinadores.

Experiência da APC Cabo de São Roque na comunidade

Em Maxaranguape, a Associação de Proteção e Conservação Ambiental (APC) Cabo de São Roque é uma referência de transformação cultural para preservar a natureza. O trabalho começou em 2016, quando ainda eram comuns a caça às tartarugas e a ingestão dos ovos delas.

A APC Cabo de São Roque surgiu como um sonho de um estudante de biologia”, introduz seu fundador, o biólogo Lucas Veríssimo.

O projeto Tartarugas ao Mar cobre 62 km de litoral, em 15 praias entre os municípios de Maxaranguape, Ceará-Mirim, Parnamirim e Nísia Floresta. Conforme a ONG, as praias de Cabo de São Roque e Búzios concentram cerca de 90% dos ninhos registrados na região. 

Soltura de filhotes no litoral potiguar / Foto: acervo/Lucas Veríssimo

Biólogos e médicos veterinários compõem o time que monitora essas praias em busca de salvar ninhos e garantir o ciclo de vida das tartarugas marinhas, mas também é comum que os profissionais se deparem com animais encalhados. 

[O projeto] surgiu da necessidade de mudar e reverter o quadro das tartarugas marinhas no município de Maxaranguape, já que sua carne ainda era consumida e seus ovos eram coletados”, conta Veríssimo, que observava a situação, ainda como estudante de Biologia, e desejava transformá-la.

O primeiro passo foi o contato com a comunidade local por meio da educação ambiental, “principalmente com as comunidades tradicionais, que são os pescadores artesanais”. Depois, o projeto realizou atividades em escolas. 

Até 23 de janeiro de 2025, segundo ele, mais de 20 animais já haviam sido atendidos em situação de encalhe à beira da praia neste ano. Mas, de acordo com ele, o número é normal devido ao período de veraneio: “As redes de pesca estão mais intensas, a pescaria acontece com mais intensidade”.

O monitoramento noturno nas praias, principalmente em Cabo de São Roque, é dedicado à reprodução dos répteis. Durante o dia, a ONG registra ocorrências não-reprodutíveis, como os encalhes. No escopo de trabalho da organização, também está o apoio a pesquisas científicas.

Quanto aos encalhes, Veríssimo afirma que na alta temporada os profissionais disparam. Por outro lado, meses como abril, maio e junho são mais tranquilos porque os animais saem da costa. “Eles vão migrar para as outras áreas, vão sair dessas áreas de alimentação, e vão estar menos suscetíveis às redes de pesca”.

Monitoramento para proteger a desova das tartarugas é uma das principais atividades da ONG / Foto: acervo/Lucas Veríssimo

Lucas Veríssimo avalia que a APC Cabo de São Roque protegeu mais de 1.400 ninhos de tartarugas marinhas em nove anos de história. Somente em 2024, por exemplo, foram 450 ninhos, o que representa 40 mil filhotes.

Apesar do êxito do trabalho, Veríssimo pondera que a ONG, assim como outros projetos, está fazendo um trabalho que é de responsabilidade governamental. Ele considera que o poder público não cumpre sua parte no artigo 225 da Constituição Federal.

 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações” (Constituição Federal).

“Essas organizações acabam assumindo esse papel, mas, quando assumem esse papel, assumem todo tipo de custo que esse papel tem”, reitera. E é nesse sentido que reside o maior desafio, que é financeiro. Veríssimo cita custos como combustível e recursos humanos – 20% da equipe é remunerada.

A ONG tem sido apoiada por financiamentos privados, via editais de empresas, e alguns editais de financiamento público, desde emendas parlamentares até editais de chamamento público.

Para ajudar, é possível azer um pix para o CNPJ: 26.092.697/0001-61 ou visitar o espaço que pertence à ONG, nos Anéis de Maracajaú, onde ela tem uma loja e um museu. 

Envolvimento da comunidade costeira

A comunidade que vive nas praias é diretamente afetada e atuante nas dinâmicas que circundam o mar. Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é fundamental promover uma educação ambiental para essas pessoas – algumas das quais pescam por questões culturais sem se dar conta do impacto, por exemplo – e torná-las aliadas na conservação das espécies.

Eduardo Lima diz que uma das premissas do trabalho da Fundação Tamar é justamente o envolvimento comunitário e social das populações, que passam a atuar junto ao projeto. Para isso, o Tamar desenvolve programas de educação ambiental e sensibilização das comunidades, além de conversar com os turistas.

De acordo com ele, essa conscientização ajudou a reduzir os riscos para os animais. Além disso, as tartarugas marinhas são protegidas por lei, por serem fauna silvestre e estarem em risco de extinção. Nos últimos quatro anos, no entanto, Eduardo diz que houve dois casos de abates dos animais.

Isso aconteceu em duas praias extremamente desertas. A gente acha que nem é gente de comunidade. O importante é que, hoje, 99% dos animais sobem à praia, desovam, vão embora e ninguém mexe”, celebra. 

Se a APC Cabo de São Roque nasceu da necessidade de intervir junto à comunidade local para preservar os animais, conforme Lucas Veríssimo, esse trabalho está no cerne da ONG Tartarugas ao Mar. O biólogo observou uma falta de conhecimento dos nativos, que nunca haviam recebido educação ambiental.

“Eles comiam os ovos das tartarugas, comiam as mães que subiam para desovar, mas nunca tinham visto um filhotinho nascer, nunca tinham visto o ciclo completar. Tipo assim, nenhuma instituição, nenhum órgão, nenhum trabalho governamental de política pública foi apresentado para eles”, compartilha. 

Daniel Solon pontua que o CEMAM também trabalha a conscientização ambiental junto à comunidade. De acordo com ele, há leis, a exemplo da que proíbe o uso de veículos nas praias durante o período de desova, mas é preciso fiscalizar. Nesse sentido, a comunidade se torna uma parceira. 

“O litoral é gigante. Os órgãos ambientais não têm perna para poder atuar e cabe a muitas instituições, como o CEMAM, estarem nesses lugares”. Mas eles também não podem estar em 223 km ao mesmo tempo. Dessa forma, a comunidade pode contribuir.

Buscamos chegar junto das comunidades e explicar [por que] a gente não pode estar em todo canto. Hoje, a gente tenta vender a causa para poder captar mais pessoas e recursos, para ajudar a mudar um pouco esse cenário, que é muito preocupante”, Daniel conclui.

Interações humanas ainda significam risco

Porém, o problema de morte de animais, mesmo aqueles cuja existência é ameaçada, ainda persiste. Conforme Eduardo Lima, o maior problema que acomete as tartarugas marinhas, hoje, é a pesca. Ele relata que milhares de animais ainda são vítimas dela, mesmo que incidentalmente.

A tartaruga tem respiração pulmonar. Se o cara coloca a rede no lugar errado, e a tartaruga se bate numa rede e engancha, ela vai entrar em desespero e vai morrer afogada, igual à gente”, exemplifica

O lixo no mar também é um problema, mas estaria em menor escala, de acordo com ele: “O lixo aparece mais porque ele é possível de ser plausível, de as pessoas verem, enxergarem, e as mídias sociais colocam muito isso em voga”. 

A tartaruga-verde é a mais afetada com o lixo, pois é herbívora: “Ela tem como costume um hábito de se alimentar próximo à costa, [ficando] sujeita a engolir plástico. Aquilo que está flutuando, ela confunde com alga”. Com o estômago repleto de resíduos sólidos, fica difícil para o animal se alimentar com a comida certa e ele está suscetível a doenças oportunistas. O lixo também pode perfurar o estômago dele.

Sinais de interação com atividades humanas preocupam especialistas / Foto: Ascom/CEMAM

Ameaças mais recentes são a fotopoluição, ou efeito negativo de luzes artificiais, que afeta as áreas de desova das tartarugas; e as mudanças climáticas. Isso porque a mudança climática “está aí na nossa porta, com força total”, alerta o engenheiro de pesca. 

Ele explica que os filhotes de répteis são gerados de acordo com a temperatura da areia que chega ao ovo. A tartaruga tem temperatura pivotal: por volta de 29°C, produz uma proporção de machos e fêmeas; a mais de 29°C, mais fêmeas são geradas; e a menos de 29ºC, mais machos. Com o planeta ficando mais quente, segundo Lima, mais fêmeas estão nascendo e vão ter dificuldade de encontrar parceiros para copular.

O CEMAM considera que a interação com atividades humanas é um fator preocupante:

“O lixo no mar, a pesca e outros impactos têm afetado principalmente as tartarugas marinhas, que frequentemente são encontradas com sinais de captura acidental e ingestão de resíduos plásticos. Os cetáceos também sofrem impactos, com casos de colisões com embarcações e interação com redes de pesca”.

Segundo Daniel Solon, o projeto “praticamente” não tem visto redução de danos nas áreas onde atua. “A gente vê encalhe de tartaruga marinha praticamente todo dia no litoral”. Ainda de acordo com ele, a época de veraneio aumenta as chances de encalhes.

Ele vê uma mudança em aspectos como a população não comer ovos de tartaruga, mas ações como encalhes em redes de pesca ainda são frequentes. Além disso, ele pontua que o lixo é encontrado em quase todos os animais atendidos pelo projeto. Esses animais adoecem e morrem.

Já Lucas Veríssimo adverte que o índice de encalhes provocados por redes de pesca é muito alto. Ademais, se o turismo não for realizado de forma responsável, também é uma ameaça. “No nosso estado, uma das coisas que mais prejudicam atualmente as tartarugas marinhas é o trânsito de veículos nas áreas de desova”, observa.

Entre dezembro e junho, as áreas de praia são procuradas não só pelos banhistas. São procuradas também pelas tartarugas, para colocarem seus ovos e continuar seu ciclo de vida.

O que fazer? 

Se avistar um animal encalhado na praia, tenha atenção e cuidado para não piorar a situação. Às vezes, até tentando ajudar é possível prejudicar o animal. Nesse sentido, Daniel Solon orienta que a pessoa chame algum projeto ou autoridade competente para realizar o manejo. 

Outra recomendação de Daniel é não tocar diretamente no animal, que pode estar acometido de alguma doença transmissível. “Se não tiver uma luva, sei lá, pega uma sacola plástica e coloca na mão para remover aquele animal da maré”. 

Ele reforça que, principalmente se for uma tartaruga debilitada, é comum as pessoas quererem colocá-la de volta no mar ou numa caixa d’água, porém, isso pode afogar o animal. “Tire o animal da água, coloque numa sombra e, se possível, num colchão ou num lugar que não seja duro”, sugere. 

Tartaruga-de-pente encalha no litoral / Foto: banco de imagens/Fundação Projeto Tamar RN

O contato do CEMAM é +55 84 99694-7242. Por meio do telefone (71) 3676-1045, pode-se solicitar contato com a Fundação Tamar no RN. O contato da APC Cabo de São Roque é +55 84 99683-7125. Já o Batalhão de Policiamento Ambiental atende pelo +55 84 99813-72328 (Natal e Região) – denuncie crimes contra as desovas e contra os animais marinhos.

O engenheiro de pesca Eduardo Lima reitera que a sociedade tem um papel muito importante de denunciar qualquer atitude ilícita. Se vir um carro na praia passando por cima de um ninho, por exemplo, deve acionar as autoridades. De novembro até junho, é proibido o trânsito de veículos no litoral do RN em diversos municípios.

“Se a sociedade e o próprio governo se propusessem a entender a causa e a tomar conta das coisas, as ONGs não precisariam estar tomando esse lugar”, afirma Eduardo. “O certo é a tartaruga subir à praia tranquilamente, ir lá, colocar os ovos dela e ir embora. E, entre 45 e 60 dias, nascerem os filhotes”. 

Cenário evidencia parcerias, inação do poder público e desafios

Tais projetos atuam em parceria, cobrindo áreas específicas e, caso seja necessário, fornecendo apoio um ao outro. As comunidades costeiras também têm se tornado aliadas da conservação. 

No caso do Tamar e da Tartarugas ao Mar, por exemplo, as equipes somente monitoram e resgatam tartarugas marinhas. As entidades que trabalham com essa parcela da fauna ainda integram a RETAMANE (Rede de Tartarugas Marinhas do Nordeste), junto à ONG Numar, às universidades federal (UFRN) e estadual (Uern) do Rio Grande do Norte e à Oceânica.

ONGs pela proteção da vida marinha / Foto: acervo/Lucas Veríssimo

Se virem outra espécie animal encalhada, ligam para o CEMAM, para o Projeto Cetáceos da Costa Branca, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), ou para as autoridades.

Contudo, segundo os profissionais engajados na luta pela conservação marinha ouvidos pela reportagem, as autoridades muitas vezes não fazem seu papel nesse sentido. 

Especialistas afirmam que o trabalho das ONGs é algo que deveria ser realizado pelo poder público, mas, diante da inação deste, cabe aos projetos sem fins lucrativos salvar os animais. Para tanto, eles têm licença ambiental.

Problemas que atingem os animais têm intervenção humana direta ou indiretamente, como a pesca – mesmo se for incidental – e o lixo. Além disso, a Agência Saiba Mais ouviu alguns dos maiores desafios, como o levantamento de recursos financeiros para os projetos e a conscientização dos turistas. 

Durante a alta temporada, quando os banhistas procuram as praias, as tartarugas procuram a areia para desovar e continuar o ciclo de vida das espécies – quatro das cinco que ocorrem no estado estão ameaçadas de extinção. 

Ibama e BPA

A reportagem entrou em contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), via assessoria de imprensa, para averiguar qual é o papel do instituto no resgate de animais. O instituto destacou “o importante trabalho realizado no resgate de animais marítimos na região costeira do Rio Grande do Norte”. 

“A iniciativa é conduzida no âmbito dos Projetos de Monitoramento de Praias (PMP), que têm como foco avaliar os impactos das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural offshore da Petrobras nas Bacias de Santos, Campos, Espírito Santo, Sergipe-Alagoas e Potiguar”, informou. 

Os PMPs são parte das condicionantes do licenciamento ambiental federal, coordenado pelo Ibama, e têm como objetivo principal monitorar os tetrápodes marinhos — aves, tartarugas e mamíferos”, explicou. O órgão não conseguiu fornecer dados sobre os resgates realizados no estado. 

Já a assessoria de imprensa do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA), órgão citado nas entrevistas, informou que o resgate de animais marinhos, geralmente, não é de sua jurisdição. “Geralmente, a Marinha controla essas informações. Fiscalizamos, quase sempre, animais silvestres”, informou.  Recomendou que a reportagem procurasse o PCCB/Uern. Tentamos contato com o projeto, mas não obtivemos retorno.

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