Reduto rocker do Rio Vermelho anunciou que fecha em fevereiro

Um corredor estreito com pôsteres e guitarras nas paredes guiam o visitante para uma área onde há mesas, cadeiras, uma parede cheia de discos e um estúdio. No andar de cima, um dos quartos abriga uma infinidade de artigos voltados para os amantes de música alternativa, de discos de vinil até bonés. Tudo isso está a um triz de deixar de existir na casa de número 141 na Rua do Meio, no Rio Vermelho.Lá, está o Blá! Blá! Blá!, espaço cultural voltado para a música alternativa. Nos dois anos em que funciona no endereço atual, a casa de shows já foi palco de apresentações de artistas de todo o Brasil e internacionais. Na última semana, Tony Lopes, que comanda o espaço, anunciou que este é o último verão do local como o conhecemos hoje. As atividades serão encerradas no dia 25 de fevereiro. O Blá! Blá! Blá! é uma continuação do Bardos Bardos, loja criada por Tony há aproximadamente oito anos.Tony bateu o martelo sobre o fechamento quando a renovação do contrato começou a demorar para sair. Viu isso como um sinal. “Isso me deu uma angústia, algo meio ‘estou tentando fazer as coisas e elas não estão acontecendo’. Não estava conseguindo mais resolver as coisas como resolvia antes e aí eu falei: ‘é hora de dar uma parada’”, conta.Sobre os motivos que levaram a essa decisão, a resposta curta é “o cansaço físico e mental”. Esse cansaço foi causado por um acúmulo de desafios: problemas de desistências de shows, tentativas frustradas de parcerias com produtores e a dificuldade de estabelecer um público fiel. “A noite de Salvador está muito, muito fraca, muito descaracterizada. Poucas pessoas procuram coisas diferentes. Se você sair, vai chegar no Largo (da Mariquita) e vai estar lotado de pessoas bebendo. Elas não estão na noite atrás de arte, digamos assim. Se você está na mesa de bar, quer beber, né? A proposta da gente não é essa, nossa proposta é ter música, disco, livro”, diz.Mas o que mais pesou na decisão foi o processo de doença pelo qual sua esposa passou em 2022, do qual ainda está se recuperando. Recentemente, quando o médico disse que ela precisava descansar, ele soube que era o momento de pisar no freio. Até esse momento, a decisão era a de fechar definitivamente, e Tony achou que ficaria por isso mesmo.Felizmente, não foi o caso, e as propostas para arrematar o lugar não demoraram a surgir. Mas ele também não passaria adiante só por passar: se há propostas, que a vencedora seja a de alguém que quer manter o lugar como um ponto de encontro para os amantes de música alternativa. Com exclusividade, ele nos adianta que a estratégia está dando certo: as negociações com a Discodelia, loja de discos localizada nos Barris, estão bem encaminhadas. “Eles vão trabalhar com esse mesmo perfil, mas é uma galera mais jovem, um grupo maior de gente envolvida”.Lar para veteranos e jovensNos dois anos de existência, o Blá! Blá! Blá! se consolidou como um espaço para todos os tipos de artistas. Tony evita descrever o local como uma “casa de rock”: é bem mais. Se o gênero musical geralmente não tem espaço, por lá é bem-vindo. “A gente já teve reggae, rap, jazz, música instrumental… Desde minha primeira loja de discos (Na Mosca, nos anos 1990), nunca trabalhei com esse tipo de coisa, nunca trabalhei com a música vigente. A gente sempre primou por esse caminho independente”, defende.Também por isso, a casa acolheu uma política mais informal – ou “artesanal”, como diz Tony. A negociação é feita na base da confiança, e o esquema de remuneração é por bilheteria: 70% do valor de ingressos vendidos vai para o artista e 30% para a casa. Em muitos casos, essa porcentagem era alterada. “Às vezes vem banda de fora, aí o artista tem um custo maior, então a gente diminui nossa porcentagem. Se tem um show daqui que a bilheteria deu muito pouco, a gente abre mão do nosso valor. Não é o nosso objetivo principal, nunca foi, desde o início, que esse dinheiro fosse essencial para manter a casa”, diz. E explica: “O nosso lucro é muito voltado para ajudar o próprio estúdio, porque sempre tem algo para reparar. Microfone que quebra, cabo, bateria. O tempo todo é preciso reinvestir”.Foi a receptividade do espaço e de Tony que atraíram bandas como a soteropolitana Tangolo Mangos. Para o vocalista Felipe Vaqueiro, o Blá! Blá! Blá! é uma das casas que mantiveram a cena alternativa respirando nos últimos anos. “Espaços como o Blá! Blá! Blá! têm tudo a ver com a criação e manutenção de carreiras de novos artistas, que estão buscando suas autonomias e ter alguma subsistência. Acredito que Salvador carece de espaços de pequeno e médio porte, e ainda mais que sejam receptivos a diversos gêneros, como o Blá! Blá! Blá!. O fechamento de um espaço como esse é muito triste, na prática o público sai perdendo e os artistas saem perdendo”, diz.E saem mesmo. Uma das pessoas que assinam embaixo é a cantora Petit Berman, frequentadora assídua. Fã do alternativo, começou a frequentar espaços culturais ainda na adolescência, acompanhada pela mãe: “Sempre fui atraída por ver gente como eu, que não segue a normatividade e o senso comum”, define.Desde o fim da pandemia, ela tem percebido uma diminuição nos espaços alternativos, o que atribui à falta de movimento e recursos. “Não consigo entender por que as pessoas dão tanto valor a artistas que vêm de fora cobrando ingressos exorbitantes e a arte alternativa local, que normalmente preza pelos valores acessíveis, respeito e celebração dos mais diversos públicos, é deixada à míngua”, diz. Hoje, mora na mesma rua que o Blá! Blá! Blá!, e descreve o local como sua segunda casa.“É um lugar que faz muito pela cena, mesmo com poucos recursos e eu o defendo com unhas e dentes! Locais como o Blá! Blá! Blá! mantêm a cena do rock underground viva, abrem espaço para que bandas pequenas sejam vistas, possam se desenvolver ao vivo, conquistar seu público e crescer”, afirma.Mesmo com o fechamento, esse espírito continua. Para 2025, Tony conta que o único plano é trabalhar com produção de CDs, e o primeiro já está pronto: é o “Blá Blá Blá Hits do Underground vol 1.”, coletânea com canções de 15 bandas que já tocaram na casa, mas não têm registros físicos, como álbuns ou LPs. A ideia é preservar a memória desses artistas, tanto os mais antigos como aqueles que estão chegando agora.Desafios por toda SalvadorOs obstáculos enfrentados pelo Blá! Blá! Blá!, infelizmente, não são raros na cena alternativa local. De tempos para cá, a cidade perdeu espaços como o Portela Café, Mercadão e O Portal. O último, que ficava no Santo Antônio Além do Carmo, fechou as portas em maio. Por um tempo, a dona, Mallaika, questionou a viabilidade de manter o espaço, porque o lucro ainda não existia. O veredito, porém, veio após a associação responsável pedir o espaço de volta.Mallaika conta que uma grande dificuldade para a obtenção de lucro foi a relutância de uma parte do público em pagar para assistir a artistas locais. “As inúmeras festas e shows gratuitos [fazem com que] o público de Salvador, de uma certa maneira, também esteja mal acostumado a ter acesso a muitos shows gratuitamente, e acaba não querendo pagar um ingresso para uma banda menos conhecida, que custa R$ 10, R$ 15, R$ 20 às vezes”, diz.Cíntia Fontes, Henrique Fontes e Edui Azambuja Junior são sócios da Casa da Felicidade, que hoje tem duas unidades, uma no Rio Vermelho e outra na Barra. Para eles, o que o cenário precisa hoje é de investimento e incentivo como os outros gêneros musicais para sobreviver à crise atual.“A crise chegou a todos deste cenário, mas através de muita dedicação e equilíbrio nos custos, conseguimos nos manter. Para ter outras rendas, alugamos o espaço para aniversário, workshop, aulas de dança e abrimos para outros estilos musicais como forró, entre outros”, conta Edui.Para outros espaços, a localização também é um empecilho: muitas vezes, casas de show de rock, por exemplo, se concentram no centro da cidade. Assim nasceu a Brothers of Metal, casa de shows que fica em Cajazeiras, com o objetivo de levar a música alternativa para a periferia.“A batalha que o Brothers of Metal está travando, aos poucos vai conseguindo vencer. Já conseguimos descentralizar o rock de Salvador, já criamos uma nova via que é a periferia, que é Cajazeiras. Temos eventos já notórios, como o nosso Halloween e o aniversário do Brothers of Metal”, conta Tonzinho, dono do espaço.A criação do Brothers of Metal é uma forma de resistir em meio à crise enfrentada pelas casas de show alternativas. E de resistência esses espaços entendem. Em toda a cidade, espaços como a Casa da Felicidade, 30 Segundos, Boteco Mirante e Área 51 se mantêm pela vontade de levar a música para o público e abrir espaço para os artistas. Público que cola junto e prestigia cada movimentação. É o caso da diagramadora Thainá Dayube, que defende que, para que o underground se fortaleça e que as suas formações tenham sentido, é preciso ter um espaço de comunidade. “Os artistas precisam de lugares para mostrar o que estão produzindo. O público precisa desses lugares para poder se encontrar, conhecer novas coisas, se conhecer e se movimentar. E isso só é possível graças a esses espaços”.*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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